A Serpente Verde

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Miguel



Comboio Militar, Rodovia Federal em Brasília, maio de 2019.

O comboio era extenso e majestoso como uma serpente verde, rastejando com ímpeto pelo asfalto, tanto movimento contrastava com aquele céu esquálido e com a paisagem bucólica. Apesar do que se é dito a respeito do sucateamento militar no Brasil, da incapacidade de suas forças armadas, a verdade é que se trata um poder a ser respeitado, sendo uma das vinte nações de maior potência militar e a mais influente da América do Sul: É um gigante adormecido que ninguém gostaria que fosse necessário acordar.

Na frente estavam em rota cerca de trinta carros blindados, dando proteção dianteira com sua mobilidade. Logo atrás vinham alguns carros de combate LEOPARD, também conhecidos como tanques de guerra, seguidos por incontáveis ônibus e caminhões carregados de infantaria. A cavalaria contava com um total de dez tanques M60 Patton e setenta tanques modelo LEOPARD 1A5, o modelo principal do poderio bélico nacional. Seis helicópteros Pantera e dois Black Hawks rasgavam o céu, a retaguarda era guarnecida por mais carros de combate e blindados, próximo deles vários caminhões-suprimento e ambulâncias militares alicerçavam o comboio. A infantaria era composta por soldados bem equipados e devidamente camuflados, um quinto deles possuía óculos de visão noturna e estavam especialmente treinados para combate urbano, estando todos armados com uma pistola semiautomática e fuzil de assalto 5.56 IA2, uma maravilha do armamento. Seus cantis estavam atados à cintura e seus objetivos fixos em mente: Seriam a tropa de auxílio, o reforço que se dirigia à São Paulo e Rio, com destacamentos diferentes. A verdade é que a maioria ali não sabia bem do que se tratava, mas tinham a certeza de que a situação, principalmente em São Paulo, era similar a de guerra. Eles eram a cavalaria pesada de apoio massivo para algo certamente calamitoso.

—De onde os senhores são? — perguntou displicentemente o sargento. Sua voz saia meio tremula por conta do balanço do caminhão.

—Sergipe, senhor. —Disse Miguel com aparente diversão e saudosismo.

—Porto Alegre. — Disse uma voz ironicamente nada alegre próxima à entrada da carroceria, onde havia um arco moldado pela lona verde de onde a luz se projetava caminhão a dentro.

—Minas.

—Brasília, senhor.

Aissur—Silvou um soldado quase albino.

—Onde fica isso? — quis saber Miguel. Era um jovem sergipano e curios,o de aspecto plácido, pardo e de boas feições, em uma palavra, de aparência amigável.

Tão longer quanto pode serrr — riu. O sotaque daquele homem, apesar de não ser muito carregado, era estranho aos ouvidos do jovem soldado, assim como o olhar, tão negro, profundo, malicioso, olhos de ressaca, pensou

A maioria dos presentes riram também, alguns mais por nervosismo e ansiedade da missão do que por qualquer outra coisa.

— Para maioria de vocês é um longo caminho, longe de casa senhores — retomou o sargento e sua voz tremulou ainda mais por conta do solavanco que o veículo deu. — Eu sei que vocês estão aqui por obrigação, muitos são jovens e levam tudo na brincadeira. Mas devo dizer, em quase uma década servindo eu nunca havia visto tamanha mobilização militar no Brasil desde 1964. Os noticiários parecem estar mentindo, mas todos sabemos o quão ferrada São Paulo está, o Rio tem algo de errado também...

O rapaz de óculos ao lado de Miguel engoliu saliva salientando o movimento do pomo de Adão.

— Mas não se enganem. — retomou o sargento — Vocês, mesmo contra a vontade, seguirão ordens com perfeição. Servirão a essa pátria com amor, ou pelo menos como se a amassem. Pois uma coisa que não tolerarei em meu pelotão é covardia. Se for para morrer tão longe de casa, que o façamos com coragem pelo menos, porra.

Alguns murmuraram em concordância, recebendo a injeção de coragem como quem recebe cura de doença. Mas dali de Brasília, ainda tão distantes da problemática o discurso do sargento implicava mais temor do que a situação em si, e o general medo ainda não derrubava tropas com muita eficácia. Ainda não...

Miguel começou então a relembrar mentalmente as instruções dadas sobre missões urbanas, sobre a maneira correta  de segurar a arma... divagando... Subitamente sentiu sede e medo tardio. Uma combinação estranha que iniciava na espinha, subia pela nuca e arrepiava, tão repentina como uma brisa gélida e medonha, um instinto primitivo exigindo água e juízo, atenção e fuga. Pegou o cantil tremendo levemente e deu dois goles, o devolveu à cintura e suspirou ruidosamente. Todavia não tão ruidoso quanto o exército em marcha lá fora.

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