O Horror dos Horrores

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Otávio


Rio de janeiro, bloqueio da Avenida Rio Branco.

Demorou algum tempo para ele entender a situação, ou pelo menos absorver o que seus sentidos captavam, pois o cenário era bem atípico. À sua frente estava o soldado que teve a cabeça dividida, ele caiu vagarosamente, primeiro de joelhos enquanto seus braços ainda davam alguns espasmos musculares, e por fim tombou desequilibradamente, pendendo para frente por conta do peso do objeto circular que dividiu o nariz dele, finalmente encontrando a paz. Mas Otávio apenas foi entender do que se tratava aquela circunferência negra quando olhou para trás, isso porque, atrás do cerco havia um buraco de esgoto sem tampa, e de dentro havia saído um homem, seu tronco jazia no asfalto, tentando subir. —Os militares tinham se distanciado da abertura, formando um circulo ao redor — Teria sido uma explosão de gasoduto?

Sim, cenário atípico. Um soldado que encontrou seu fim tendo uma tampa de esgoto atravessando seu crânio. O circulo metálico maciço e negro permanecia alocado no pobre rapaz, ornamentado com sangue que também escorria sem pudor pelo chão e, Otávio poderia jurar, com pedaços de massa encefálica.

O policial ao perceber que nada poderia fazer pelo soldado torna sua atenção para o sujeito inerte no bocal do esgoto e decide ir até lá no intento de ajudá-lo.

*Click* Click*

Os soldados destravaram as armas. O que estaria acontecendo? Cessou seus passos e olhou ao redor, percebeu que todos ali estavam concentrados e observando aquele sujeito.

—Ninguém se aproxime! — entoou uma voz ao fundo — Senhor, não se mexa. — agora a voz se dirigia ao homem com o tronco estirado no asfalto e as pernas no esgoto.

—O que acabou de acontecer aqui? — quis saber Otávio

—Ele acabou de matar o Silva— acusou uma terceira voz, de um soldado que apontava para o homem do esgoto.

—Matar? Com...

O sujeito do esgoto fez força com os braços tentando se mover, levantar o tronco, mas não obteve sucesso. Parecia fraco e abatido. Entrementes, o chuvisco se transformava numa chuva rala, que aumentava sua força gradativamente.

— Pelotão, apontar! Atirem se ele se mover! — grasnou novamente a voz do fundo, dessa vez mais próxima, e todos os militares agora miravam com os fuzis o misterioso homem.

Por alguns instantes o semi-silêncio chuvoso pairou predominante na avenida, o sujeito saído do esgoto permanecia sem fazer movimentos bruscos, apenas tremulava os dedos ou meneava a cabeça. Ele trajava roupas sujas e amassadas, o branco da camiseta era confundível com algum tom escuro devido à imundice. Mas a calmaria foi findada por um som inesperado, um barulho mecânico e rudimentar, sôfrego e que parecia ter origem de algum lugar além da barricada.

Todos se inquietaram, e o rugido mecânico parecia se aproximar, como uma maquinaria em movimento. O sujeito maltrapilho do esgoto começou a fazer movimentos mais energéticos. Um som de buzina surgiu sem avisar e logo se multiplicou. As agora buzinadas acompanhavam o som mecânico. Otávio virou a cabeça para trás, para depois do bloqueio, com crescente curiosidade e temor e então Leandro, seu amigo, e praticamente todos militares presentes imitaram o gesto.

Não foi possível dizer num primeiro momento do que se tratava. Mas seja o que fosse, estava a uns cem metros, brilhava como fogo vivo e descia a avenida de encontro a eles rapidamente. Seu vermelho-inferno contrastava com a negritude gélida e cálida da chuva que caia cada vez mais profusamente. O brilho misterioso se elucidou quando Otávio observou que dele se originavam as buzinadas, que dele emanava aquele som mecânico... O som do motor rugindo e sofrendo. Era um ônibus em chamas indo direto de encontro com a barricada. As pessoas começaram a se agitar, Otávio preparava-se para correr quando notou com a crescente aproximação do veículo, que dele ecoavam gritos, por deus, gritos de pessoas sendo carbonizadas. A hedionda carruagem flamejante intensificava as buzinas, como se comemorasse a carnificina de seu interior.

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