Fui para a prisão com méritos! O julgamento não havia sido tão ruim. O guardinha foi condecorado. A cela mais fria é expressão usual. Conforme descobri, todas eram frias, posto que a prisão possuía grossas paredes de pedra, com pouca ventilação e um cheiro doméstico de excremento.
Lá, fiz algumas amizades, o que imagino ter sido meu pior erro. No sentido bom e no ruim. Isso ficou muito mal colocado, mas, no decorrer de minha história, explicarei melhor.
Não sou bom de briga e o ânimo dos caras na prisão era sempre exaltado. Não os culparia se um dia viesse a provar a sopa de cebolas que nos era servida todos os dias. Sempre que alguém começava uma briga, ela tornava-se generalizada. Com minhas habilidades furtivas, escalava o muro e ficava vendo tudo do alto, até que perceberam e começaram a impedir-me. Era nessas horas que o Tormento chegava e libertava-me para que pudesse continuar a escalada.
Tormento é como o chamam. Imagino que isso deve ser em razão de sua voz gutural, tatuagens assombrosas, o nariz quebrado em várias brigas e sua corpulência... Mas, era um dos caras mais sensíveis que já conheci. Vivia com uma pequena gaita no bolso, pequena demais para suas grandes mãos, e, à noite, costumava tocar uma cantiga que os homens do mar cantavam para seus filhos. Vim a conhecer a letra quando mudei-me para Neata, uma vila a beira mar bem tranquila:
Dorme onde o mar canta
O canto da onda litorânea,
Poseidon marca o compasso
E o seu impulso nos guarda
Seguros na barca a repousar.
A rede lançarei ao amanhecer.
O golfinho saúda ao longe
O barquinho de papel na alvorada.
Era a favorita do meu filho mais novo. Tinha o mesmo nome de um outro homem que conheci na prisão: Hélio. Meu menino era um doce. O cara da prisão era um maluco. Em seus momentos bons, era inteligente e preparado para resolver e melhorar as coisas mais simples do cotidiano. Era do mundo das ideias.
Em seus dias maus... roía as unhas até o sangue jorrar, andando de um lado para o outro e falando coisas desconexas. Eu e Tormento o mantínhamos isolado e amarrado nas horas livres após o trabalho forçado, única ocasião em que saíamos das celas. Por vezes, os dirigentes estavam de bom humor e deixavam um tempo de lazer para depois do labor.
Esses eram os momentos mais perigosos para Hélio. O ócio é o pior conselheiro para os homens instáveis. Então, suas palavras desconexas encontravam ouvintes impacientes, que respondiam com violência.
Da última vez que conseguiu escapar dos nós, a pancada o deixou desacordado por quase um dia inteiro. Depois, descobriram que um osso do braço havia se partido. Tentamos unir e mobilizar. Cicatrizou, mas ficou um pouco torto, afinal, nem eu nem Tormento éramos médicos. Segundo ouvimos, a família havia deixado Hélio naquela prisão.
No início, ter um filho "mensageiro dos deuses" era interessante, pois assim eram vistos os loucos. Até que os deuses ficaram violentos e os membros da eminente família cansaram-se de seus ataques. Quase chegou ao ponto de matar uma prima. Naqueles dias, caminhava entre nós como o louco que era, entretanto, encontrou oponentes muito mais fortes. Para mim, ele era a prova de que a miséria e a mala fortuna atingem até os de melhor formação.
Em alguns dias bons, ele me sorria de sua cela, logo à minha frente, quando Tormento tocava sua gaita. Olhava-o e ficava triste, pois sua privação era perpétua. Quando cheguei, ele lá estava e sabia que quando eu partisse, lá continuaria. O nome do meu filho foi uma forma simbólica de conceder-lhe a liberdade.
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Fragmentos da vida de um pescador (Conto)
Short StoryEsta é a história de Lazarus, um homem de bom coração, que teria vivido na Grécia antiga. Peço desculpas antecipadas, caso haja erros históricos. Esse homem era de família bastante próspera de comerciantes romanos que se mudaram para a Grécia. A for...