Capítulo IX

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No dia seguinte, peguei o acerto do meu salário, agradeci por absolutamente toda a ajuda e saí pela estrada, como fazia sempre que estava sem rumo. Dessa vez, estava menos sozinho e com mais responsabilidade. Mara estava bem presa a mim e jamais a soltaria. Perdido, segui o rumo que há muito tempo meu coração havia gravado. Neata. Era realmente pequena e sem os luxos exorbitantes de cidades maiores.

Rodeada por abismos que caíam no mar, casas pequenas de pedra, plantações bem organizadas e sorrisos de estranhos. Eu e Mara éramos forasteiros por ali, mas, estar com um bebê nos braços, angariou certa simpatia.

Em outra situação, perguntaria pela taverna, mas perguntei a um senhor onde haveria uma estrebaria. Era pequena e possuía apenas seis quartos. Um deles, passei a ocupar com minha filha. Ela abriu os olhos e sorriu. Reconheci neles o tom de azul dos olhos de meu pai. A dona do estabelecimento recomendou-me uma ama de leite. A pobre jovem foi abandonada pelo amante e descobriu-se grávida. Não bastasse a sina de mãe solteira, seu filho nasceu morto.

A dona disse que ela andava triste e sem propósito, e que em um lugar pequeno como aquele, a má fama a perseguiria por toda a vida.

A dona disse que ela andava triste e sem propósito, e que em um lugar pequeno como aquele, a má fama a perseguiria por toda a vida

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Consegui trabalho no ferreiro local. O salário era pouco e conseguiria mais como pescador, mas não me atrevi a afastar-me do continente. Mara precisava de mim. No início, levei-a comigo para o trabalho, e em outros dias, deixei-a com a dona da estrebaria. Marquei um dia para que a ama de leite viesse.

Ela apareceu. Seu nome era Gilda e a primeira coisa que notei foi como seu corpo era farto. Medidas acima da média e estatura agradavelmente inferior à minha. Era incrivelmente espirituosa, apesar do que me contaram a seu respeito. Vi seus olhos refulgirem ao ver a menina. Tomou-a de meus braços e sem qualquer vestígio de timidez, ofereceu-lhe o seio.

Mara chorou levemente, entretanto, aceitou-o de bom grado. Gilda também chorou. Não concordou em receber qualquer gratificação. Por vezes, a dona da estrebaria, sob ordens minhas, oferecia-lhe alguns pratos preparados para levar para casa, ovos e leite. Nada além disso.

No início, meus dias ficaram mais tranquilos

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No início, meus dias ficaram mais tranquilos. Algumas moças da aldeia começaram a ter interesse por mim e eu retribuía-lhes os sorrisos, os olhares. Posteriormente, tomei conhecimento de que Gilda expulsava qualquer jovem que procurasse por mim na hospedaria. Achei curioso.

Para ver por mim mesmo, resolvi aparecer de braços dados a uma donzela. A dona do local servia-nos o vinho, lançando-me olhares que alertavam perigo. Pisquei para ela...

Sem qualquer sinal da tempestade que se formava, Gilda apareceu. Cumprimentei-a. Ela permaneceu muda. Começou a ficar vermelha. Vermelha demais. Tentei levantar-me da cadeira, ela empurrou-me de volta e, no segundo seguinte, atracou-se com a jovem à minha frente, claramente em desvantagem diante da robusteza de Gilda.

Tive trabalho para desengalfinhá-las. Tudo terminou com as duas às lágrimas. Sentindo-me mal pelo que a ama de leite havia feito, acompanhei a dama até em casa, abraçando e consolando-a. Pedi desculpas e ela perguntou se Gilda era minha noiva, pois ouviu algumas moças comentarem. Respondi que não, mas a ideia ficou em minha mente.

Quando cheguei na hospedaria, a dona estava ansiosa e não queria deixar-me subir para o quarto e ver minha filha. Mandei-a desembuchar: "Gilda foi embora levando sua filha, Lazarus!" Agora, era eu quem estava irritado! Saí como vento furioso pela porta, a dona em meu encalço. Lembrei-me que não sabia onde era a casa de Gilda. Ela logo prontificou-se em me levar até lá.

Era uma gleba fora do povoado. Uma daquelas plantações. Entrei sem bater, enquanto o cão latia, preso em sua corrente. As mulheres gritaram. Só haviam mulheres em todos os cantos. Oito delas. Localizei minha filha em um balaio, dormindo tranquilamente. Gilda colocou-se na frente, mas afastei-a. Nenhum obstáculo iria se interpor entre mim e aquele bebê que tanto amava e que deveria sempre proteger. Gilda não reagiu. Caiu ao chão e começou a chorar, prostrando-se. Insensível à situação da mulher, peguei Mara no colo e a abracei. Foi um alívio.

Fragmentos da vida de um pescador (Conto)Where stories live. Discover now