Capítulo XI

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Gritava e chorava. Não tive outra reação. Abraçava o pequeno corpo de Hélio. Estava rijo. Tinha apenas um ano. Sua garganta foi cortada. Podia ouvir seu choro estridente cessar. Mara estava gravemente ferida na lateral do abdômen e no ombro. Pensei que estivesse morta, mas ainda respirava. Quanto a Gilda, o grande hematoma em sua testa e os olhos vidrados davam a certeza de que já não mais vivia.

Não vi Thais em lugar algum. Então, lembrei-me de sua mania de esconder-se. Gilda disse que sempre que eu saía para pescar, ela passava os dias escondendo-se de todos.

Ela sempre deixava a comida de nossa filha na mesa e nunca conseguiu flagrar o momento em que Thais a pegava. Ela só aparecia quando eu chegava do mar e gritava o seu nome. Penso que talvez fosse a sua forma de imaginar que me acompanhava nas aventuras. Ela sempre quis ir, mas o mar era imprevisível demais. "THAIS! THAIS!"

Ela surgiu na porta, a face expressando medo. Correu para chegar mais rápido e chorava. Ela sabia de tudo. Talvez tenha visto tudo. Jogou-se em meu colo, assustada. Os mortos não sairiam do lugar. Peguei Mara no colo e fui carregando-a pela estradinha, descendo a colina. Thais segurava minha calça, sem dizer uma palavra.

Hipátia sugeriu que se eu queria uma esposa, ninguém melhor do que Gilda, alguém a quem minha filha já reconhecesse

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Hipátia sugeriu que se eu queria uma esposa, ninguém melhor do que Gilda, alguém a quem minha filha já reconhecesse. Fui embora pensando nisso.

Continuei tentando apaixonar-me por outras moças, belas, delicadas, virtuosas. Gilda sempre aparecia com a sua ferocidade e robustez, e as expulsava de minha vida...

Em quatro meses, ameaçou ir embora. Mara ainda precisava ser amamentada. No dia seguinte, Gilda não apareceu, nem no restante da semana. Fui até o campo e a pedi em casamento. Se é isso que precisava fazer para parar de ouvir um bebê chorar loucamente, é isso que eu faria.

 Se é isso que precisava fazer para parar de ouvir um bebê chorar loucamente, é isso que eu faria

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Eu era um homem casado. Gilda insistia que era necessário consumar. Pouco depois veio a nossa primeira filha, Thais, que demorou a falar, embora percebêssemos que ela observava o mundo com atenção. Mara chamava Gilda de "mamãe" e isso era a coisa mais linda de se ouvir. Com a família maior, mudei de emprego e fomos morar na gleba da dona da estrebaria, que logo cuidou de nos vendê-la.

Fui trabalhar no mar. Descobri que poderia ser um excelente pescador e em três anos, consegui comprar meu próprio barco. Contratei uma pequena tripulação de dois marujos e segui com os lucros.

Em quatro anos e meio, quitei a gleba de vez e comecei a fazer melhorias na casa. Gilda perdeu um bebê, enquanto outro varão nasceu morto. Minha sogra insistiu que era a maldição, e eu seguia sem acreditar. Logo nasceu Hélio, forte e saudável, o que foi divergente de todas as expectativas que sobre ele pousavam. Independentemente do que possam ter pensado a meu respeito, não tentei aproximar-me de outras moças, e embora elas continuassem aparecendo em minha vida, carregadas de charme e sedução, nunca traí Gilda.

Fragmentos da vida de um pescador (Conto)Where stories live. Discover now