Gritava e chorava. Não tive outra reação. Abraçava o pequeno corpo de Hélio. Estava rijo. Tinha apenas um ano. Sua garganta foi cortada. Podia ouvir seu choro estridente cessar. Mara estava gravemente ferida na lateral do abdômen e no ombro. Pensei que estivesse morta, mas ainda respirava. Quanto a Gilda, o grande hematoma em sua testa e os olhos vidrados davam a certeza de que já não mais vivia.
Não vi Thais em lugar algum. Então, lembrei-me de sua mania de esconder-se. Gilda disse que sempre que eu saía para pescar, ela passava os dias escondendo-se de todos.
Ela sempre deixava a comida de nossa filha na mesa e nunca conseguiu flagrar o momento em que Thais a pegava. Ela só aparecia quando eu chegava do mar e gritava o seu nome. Penso que talvez fosse a sua forma de imaginar que me acompanhava nas aventuras. Ela sempre quis ir, mas o mar era imprevisível demais. "THAIS! THAIS!"
Ela surgiu na porta, a face expressando medo. Correu para chegar mais rápido e chorava. Ela sabia de tudo. Talvez tenha visto tudo. Jogou-se em meu colo, assustada. Os mortos não sairiam do lugar. Peguei Mara no colo e fui carregando-a pela estradinha, descendo a colina. Thais segurava minha calça, sem dizer uma palavra.
Hipátia sugeriu que se eu queria uma esposa, ninguém melhor do que Gilda, alguém a quem minha filha já reconhecesse. Fui embora pensando nisso.
Continuei tentando apaixonar-me por outras moças, belas, delicadas, virtuosas. Gilda sempre aparecia com a sua ferocidade e robustez, e as expulsava de minha vida...
Em quatro meses, ameaçou ir embora. Mara ainda precisava ser amamentada. No dia seguinte, Gilda não apareceu, nem no restante da semana. Fui até o campo e a pedi em casamento. Se é isso que precisava fazer para parar de ouvir um bebê chorar loucamente, é isso que eu faria.
Eu era um homem casado. Gilda insistia que era necessário consumar. Pouco depois veio a nossa primeira filha, Thais, que demorou a falar, embora percebêssemos que ela observava o mundo com atenção. Mara chamava Gilda de "mamãe" e isso era a coisa mais linda de se ouvir. Com a família maior, mudei de emprego e fomos morar na gleba da dona da estrebaria, que logo cuidou de nos vendê-la.
Fui trabalhar no mar. Descobri que poderia ser um excelente pescador e em três anos, consegui comprar meu próprio barco. Contratei uma pequena tripulação de dois marujos e segui com os lucros.
Em quatro anos e meio, quitei a gleba de vez e comecei a fazer melhorias na casa. Gilda perdeu um bebê, enquanto outro varão nasceu morto. Minha sogra insistiu que era a maldição, e eu seguia sem acreditar. Logo nasceu Hélio, forte e saudável, o que foi divergente de todas as expectativas que sobre ele pousavam. Independentemente do que possam ter pensado a meu respeito, não tentei aproximar-me de outras moças, e embora elas continuassem aparecendo em minha vida, carregadas de charme e sedução, nunca traí Gilda.
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Fragmentos da vida de um pescador (Conto)
Short StoryEsta é a história de Lazarus, um homem de bom coração, que teria vivido na Grécia antiga. Peço desculpas antecipadas, caso haja erros históricos. Esse homem era de família bastante próspera de comerciantes romanos que se mudaram para a Grécia. A for...