Assim que cheguei à casa do vizinho, ele chamou sua mãe, que começou a limpar e suturar os ferimentos de Mara. Usou ervas que ignoro para cobrir os ferimentos e enfaixá-los. Ela disse que a menina era forte, perdera bastante sangue e não havia sinal de humores ruins. Certamente apareceriam, mas Mara seria bem tratada.
Deixei-a sob seus cuidados e irritei-me sobremaneira quando Thais implorou para ir à casa da avó. Ela não usou palavras, simplesmente não soltou a lateral da minha calça e puxava-me em direção à estrada. Fui caminhando rapidamente e ela tentava acompanhar-me, chorando e fungando. Mas, eu não tinha muito tempo naquele momento. Quando finalmente chegamos, uma de suas tias a viu ao longe e correu para aninhá-la.
Entrei bruscamente na casa e gritei: "HIPÁTIA!". Assustei a todas. Ela estava sentada e calma em sua velha cadeira. Caí a seus pés e chorei, ensanguentado e sujo. "Eu estava no mar e quando voltei, encontrei Gilda e Hélio assassinados, e Mara gravemente ferida. Thais estava escondida como sempre, por isso salvou-se".
Minha sogra respondeu-me: "então, pode ser que Thais não tenha se alimentado hoje. Filha, pode dar-lhe de comer?". Não atentei-me a esse fato e senti-me grato pelos cuidados com a minha filha. Com os olhos marejados, ela disse que os mortos não se enterrariam sozinhos.
Pegamos dois mantos negros e saímos todos em direção ao local do massacre. Em conjunto, elas lavaram Gilda e Hélio, pentearam os cabelos longos da irmã falecida e trançaram-no. Ela usava o mesmo vestido com que nos casamos. Colocaram dracmas sobre os olhos de ambos e os enrolaram nos mantos. Houve dor e lágrimas quando a terra começou a engoli-los. Meu desejo era queimá-los junto à casa. Disseram-me que eu ainda tinha duas filhas que precisavam de um teto.
Quando todas se retiraram com Thais para ver Mara, peguei uma marreta sólida e comecei a destruir a casa. Não ficou pedra sobre pedra. Isso era necessário para extravasar toda dor que eu sentia.
Era uma tarde comum em que chegava em casa e via Mara ajudando Hélio a dar os seus passos vacilantes. Ele caiu, chorou e Gilda deixou o que quer que estivesse fazendo na cozinha para ampará-lo.
Gritei por Thais e ela saiu de algum lugar para abraçar-me. Depois, vi os três lá em baixo, brincando na areia e correndo das ondas, enquanto Gilda os vigiava. E quando fui dormir, senti que ser feliz deveria ser a sensação que eu havia experimentado aquele dia: é como ver seus filhos pequenos correndo na praia, com o pôr do sol atrás deles.
Sob os escombros, encontrei uma pulseira de couro que não pertencia a ninguém em minha casa. Lembrei-me de seu dono, depois de alguns minutos reflexivos. Andrea. Não deveria estar a muitos dias de viagem, ainda mais se estivesse a pé. Por aqui não atracavam barcos estranhos com frequência e não aconteceu nos últimos dias.
Thais. Ela viu algo. Corri desabalado para a gleba de Hipátia. Procurei por minha filha, apertei seus pequenos ombros, sem fôlego, e mostrei-lhe a pulseira. Ela assustou. "Você viu os assassinos?". Ela balançou a cabeça afirmativamente. "Estavam a pé ou a cavalo?". Em suas raras palavras, respondeu que todos tinham cara de mau, estavam caminhando com facões à cintura, enquanto uma mula carregava as coisas. Eram três deles.
Selei um cavalo forte e saí sem ouvir qualquer argumento. Talvez eles estivessem a dois dias de viagem, mas eu os cobriria a cavalo, talvez em menos de um dia. Quando senti sede, bebi água do rio. Evitei pensar na fome e não parei para dormir, de forma a poupar tempo.
YOU ARE READING
Fragmentos da vida de um pescador (Conto)
Short StoryEsta é a história de Lazarus, um homem de bom coração, que teria vivido na Grécia antiga. Peço desculpas antecipadas, caso haja erros históricos. Esse homem era de família bastante próspera de comerciantes romanos que se mudaram para a Grécia. A for...