Capítulo XII

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Assim que cheguei à casa do vizinho, ele chamou sua mãe, que começou a limpar e suturar os ferimentos de Mara. Usou ervas que ignoro para cobrir os ferimentos e enfaixá-los. Ela disse que a menina era forte, perdera bastante sangue e não havia sinal de humores ruins. Certamente apareceriam, mas Mara seria bem tratada.

Deixei-a sob seus cuidados e irritei-me sobremaneira quando Thais implorou para ir à casa da avó. Ela não usou palavras, simplesmente não soltou a lateral da minha calça e puxava-me em direção à estrada. Fui caminhando rapidamente e ela tentava acompanhar-me, chorando e fungando. Mas, eu não tinha muito tempo naquele momento. Quando finalmente chegamos, uma de suas tias a viu ao longe e correu para aninhá-la.

Entrei bruscamente na casa e gritei: "HIPÁTIA!". Assustei a todas. Ela estava sentada e calma em sua velha cadeira. Caí a seus pés e chorei, ensanguentado e sujo. "Eu estava no mar e quando voltei, encontrei Gilda e Hélio assassinados, e Mara gravemente ferida. Thais estava escondida como sempre, por isso salvou-se".

Minha sogra respondeu-me: "então, pode ser que Thais não tenha se alimentado hoje. Filha, pode dar-lhe de comer?". Não atentei-me a esse fato e senti-me grato pelos cuidados com a minha filha. Com os olhos marejados, ela disse que os mortos não se enterrariam sozinhos.

Pegamos dois mantos negros e saímos todos em direção ao local do massacre. Em conjunto, elas lavaram Gilda e Hélio, pentearam os cabelos longos da irmã falecida e trançaram-no. Ela usava o mesmo vestido com que nos casamos. Colocaram dracmas sobre os olhos de ambos e os enrolaram nos mantos. Houve dor e lágrimas quando a terra começou a engoli-los. Meu desejo era queimá-los junto à casa. Disseram-me que eu ainda tinha duas filhas que precisavam de um teto.

Quando todas se retiraram com Thais para ver Mara, peguei uma marreta sólida e comecei a destruir a casa. Não ficou pedra sobre pedra. Isso era necessário para extravasar toda dor que eu sentia. 

Era uma tarde comum em que chegava em casa e via Mara ajudando Hélio a dar os seus passos vacilantes

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Era uma tarde comum em que chegava em casa e via Mara ajudando Hélio a dar os seus passos vacilantes. Ele caiu, chorou e Gilda deixou o que quer que estivesse fazendo na cozinha para ampará-lo.

Gritei por Thais e ela saiu de algum lugar para abraçar-me. Depois, vi os três lá em baixo, brincando na areia e correndo das ondas, enquanto Gilda os vigiava. E quando fui dormir, senti que ser feliz deveria ser a sensação que eu havia experimentado aquele dia: é como ver seus filhos pequenos correndo na praia, com o pôr do sol atrás deles.

 E quando fui dormir, senti que ser feliz deveria ser a sensação que eu havia experimentado aquele dia: é como ver seus filhos pequenos correndo na praia, com o pôr do sol atrás deles

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Sob os escombros, encontrei uma pulseira de couro que não pertencia a ninguém em minha casa. Lembrei-me de seu dono, depois de alguns minutos reflexivos. Andrea. Não deveria estar a muitos dias de viagem, ainda mais se estivesse a pé. Por aqui não atracavam barcos estranhos com frequência e não aconteceu nos últimos dias.

Thais. Ela viu algo. Corri desabalado para a gleba de Hipátia. Procurei por minha filha, apertei seus pequenos ombros, sem fôlego, e mostrei-lhe a pulseira. Ela assustou. "Você viu os assassinos?". Ela balançou a cabeça afirmativamente. "Estavam a pé ou a cavalo?". Em suas raras palavras, respondeu que todos tinham cara de mau, estavam caminhando com facões à cintura, enquanto uma mula carregava as coisas. Eram três deles.

Selei um cavalo forte e saí sem ouvir qualquer argumento. Talvez eles estivessem a dois dias de viagem, mas eu os cobriria a cavalo, talvez em menos de um dia. Quando senti sede, bebi água do rio. Evitei pensar na fome e não parei para dormir, de forma a poupar tempo.

Fragmentos da vida de um pescador (Conto)Where stories live. Discover now