Andrea era o condenado mais temido. Indispor-me com ele foi apenas mais uma das minhas burrices. Andrea era o algoz mais frequente de quase todos os habitantes daquela nobre localidade. O único que ele nunca encarou foi Tormento. Não sei se contei antes, ele foi soldado, só que quando saiu da guerra, a guerra não saiu dele. Era frequente causar tumultos nas tavernas todas as noites e numa delas, assassinou o filho de um aristocrata. Até o ponto em que apenas miseráveis eram feridos, quase tudo era tolerado e ninguém era punido.
Certa vez, Andrea tomou coragem. Depois de um dia de trabalhos forçados, estavam todos conversando animadamente e fazendo apostas que teoricamente eram proibidas. Tormento mostrou-nos um cantil de cerveja, um artigo cobiçado na prisão. Andrea também o viu e seus asseclas o instigaram a tomá-lo. E o fez diplomaticamente, tanto quanto o mais indiscreto dos políticos.
Furioso, Tormento lançou-lhe o olhar "tem certeza disso?!", que faria qualquer um correr. Exceto aquele demente. Eis que ocorreu o estouro de guerra. Sem qualquer alarme, escalei o muro para afastar-me de tudo. Sim, eu poderia escapar por ele, se do outro lado não houvesse um abismo.
Esperei a poeira baixar. Estava demorando mais do que o normal. Hélio jazia desacordado a um canto, como vários outros homens. Mas, Andrea agredia Tormento selvagemente. Força é uma coisa, técnica é outra. E esta, meu amigo não tinha. Andrea o mataria e ninguém faria nada.
Desci do muro, uma das piores decisões que poderia tomar. Encontrei uma grande pedra, peguei-a e corri em sua direção, gritando desabalado. Meu grito foi abafado pelo barulho do confronto. Pulei nas costas de Andrea e acertei-lhe a cabeça. Segundos depois, estávamos no chão, minha perna presa sobre seu corpo desacordado.
Se os deuses ajudassem, eu o teria matado com aquele golpe. Mas, é claro, os deuses não ajudam. Sabia que seria perseguido. Sabia que, provavelmente, nunca mais na vida veria Tormento e Hélio. O que busca vingança é incansável. Uma ou outra zombaria, ele perdoava. Só que quando o agredi pra valer e o desmoralizei pela força bruta, assinei o meu destino.
Faltava muito pouco para terminar de cumprir a pena. E os dias que faltavam foram gradativamente piorando. As horas de trabalho eram as mais tranquilas, embora fossem as mais desgastantes. Depois da última briga, em que a maioria dos homens foi ferida, não tivemos momentos de distração, o que foi pior para mim. Se Andrea não tivesse um campo aberto para executar a sua vingança com os punhos, do que ele seria capaz? A resposta não tardou.
Um velho imundo, com a aparência do mais condenado dos homens, que distribuía as nossas refeições, errou as tigelas, e o meu vizinho de cela acabou amanhecendo morto. Era só um rapaz que sairia antes de mim...
O acontecido afetou meus nervos de tal forma, que passei a desconfiar demais. Comecei por perder alguns quilos. Estava mais fraco e o trabalho forçado não rendia como antes. Hélio comia uma parte de sua sopa de cebolas e empurrava-me o restante, enquanto a minha permanecia intocada.
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Fragmentos da vida de um pescador (Conto)
Short StoryEsta é a história de Lazarus, um homem de bom coração, que teria vivido na Grécia antiga. Peço desculpas antecipadas, caso haja erros históricos. Esse homem era de família bastante próspera de comerciantes romanos que se mudaram para a Grécia. A for...