Capítulo V

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Ética. Alteridade. Duas palavras que me fizeram mudar o rumo de minha história. Em minhas mãos, eu possuía uma herança quase totalmente arruinada. Se ela fosse usada para sanar os débitos de meu pai, ainda seríamos devedores. Sem saber o que fazer, fiz o que sempre faço: andei sem rumo pelas ruas durante uma noite inteira. Vi brigas de cães por pedaços ínfimos e apodrecidos de carne, pessoas anônimas que para a sociedade não existiam realmente e crianças que sobreviviam com parca comida, eram magras e doentes. Perguntei-me onde estariam seus pais.

Não poderia aproximar-me deles, sob o risco de ser roubado. Voltei para casa com a pergunta em mente. O que eu realmente desejava? A primeira coisa era desaparecer. A segunda, encontrar uma forma de solucionar o problema da herança que meu pai destruiu. A terceira, desfazer o meu noivado.

Certa tarde, cheguei em casa após assistir um feroz treino de bigas

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Certa tarde, cheguei em casa após assistir um feroz treino de bigas. Encontrei uma jovem adorável em nosso jardim. Lia. Não tivemos tempo para trocar mais do que algumas palavras. Então, eu ainda era Caio Magno, de uma família comerciante provinda de Roma. Meu avô era romano, casou-se com uma grega. Ao que meu pai me contou, a avó sentia fortes saudades da sua terra natal e por sua profunda tristeza, meu avô, apaixonado por sua esposa, levou consigo de Roma todo o seu comércio para a Grécia.

Aqui, ele prosperou ainda mais. A minha avó deu-lhe apenas um filho e faleceu precocemente. Nunca ouvimos falar de qualquer bastardo. Não defendo a teoria de que meu avô era o mais íntegro dos homens, mas era honesto em seus negócios, o que lhe valeu a confiança de muitos homens. O meu pai caminhou em sentido contrário. Perdeu qualquer vestígio de fidelidade, honestidade ou empreendedorismo depois que vovó morreu. Nem se apaixonar por minha mãe o tornou mais probo. Ele nunca me agrediu, mas nunca se sentou à mesa comigo para as refeições, nunca levou-me a qualquer jogo, nem me levou a iniciar os estudos.

Minha criação ficou por conta do avô, assim como resolver as ciladas que o meu pai arranjava. Tantos escândalos envolviam a nossa família que o avô envelheceu rapidamente. Antes de morrer, disse-me que agora eu era capaz de resolver tudo sozinho, que aos 16 anos já era homem feito.

Receio que tenha se enganado. Nunca tive força para retirar as rédeas da fortuna das mãos do meu pai. Lembro-me de quando eu tentava cuidar de tudo e negociava com os seus credores: ele ajoelhava-se no chão e implorava, dizendo que iria mudar, tornar-se um pai melhor. Nunca aconteceu, e, em pouco tempo, a morte o arrebatou.


Fragmentos da vida de um pescador (Conto)Where stories live. Discover now