Dia 23 de agosto de 1989

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A viagem foi imediata e as dores também não demoraram a aparecer. Uma ânsia de vômito e uma dor de cabeça terríveis tomaram conta dos cinco minutos seguintes. Minhas pernas cambaleavam e a sensação de que eu iria morrer dali pouco tempo só não era maior que a minha descrença do que tinha acabado de acontecer. Quando cheguei, todos já estavam lá, incluindo a psicóloga. Como saímos com vida eu não sabia e como havíamos chegado aqui sem que a máquina existisse em 89, muito menos. Estávamos vivos e era nisso que eu queria me concentrar, além de voltar à superfície.

Depois de passados aqueles minutos, as dores foram diminuindo em todos nós e já conseguíamos ficar de pé. Lembrei do rádio e do endereço de que Baltazar falou e achei eles perto do lugar onde eu caí e, surpreendentemente, ele mandou o rádio que havia pedido. Não sabe o quanto fiquei grato por isso. Coloquei o endereço em um bolço da calça e o Walkman, depois de tirar toda a poeira e olhar mais uma vez para ele, em outro.

- Sabe – Tomás começou a falar -, não é agradável aqui embaixo.

Martini já estava bem perto das escadas quando, ainda com a respiração descontrolada, gritei:

- O que está fazendo?

Ele parou, olhou para trás e deu um sorriso sarcástico como um psicopata faria, antes de me mandar a real.

- Escuta, parceiro, eu estou livre agora e em 89 eu estava no auge. Achou mesmo que eu ia te ajudar a convencer o velho?

Depois disso ele saiu dos esgotos e nos deixou sozinhos sem saber para onde ir e o que fazer, porque, apesar de tantas instruções, nenhuma ensinava a lidar com não termos dinheiro em 1989, ou identidades, estarmos cansados e suados. Sacos de cimento caros em um bairro humilde. Perdidos. Conviver com duas pessoas que eu não conhecia também não era um ponto positivo em tudo aquilo, na verdade só tornava mais constrangedor. Não tinha a menor vontade de ir atrás do advogado, mas parecia que nem todos nós pensávamos da mesma forma.

- Vamos precisar de um lugar para passarmos o dia. – Esperei alguma resposta – Alguma ideia?

- Temos que ir atrás dele. – Bianca, a psicóloga.

- Por quê?

- Ele era advogado, vamos precisar dele para conseguir o dinheiro, ele deve ser bem convincente.

- E por que precisamos de alguém convincente? – Ainda bem que Tomás estava comigo nessa.

- Eu conheço um cara que pode ajudar a gente por um tempo, ele costumava ser bem "espertinho". Com um advogado acho que a gente pode arrancar alguma coisa dele.

- Mas ele não é mais advogado. – Isso.

- Mas o meu amigo não sabe, esqueceu?

Percebi bem rapidamente que não teria nenhuma autoridade ali e que Baltazar havia escolhido o pior membro dentre os quatro para liderar a missão. Uma missão que estava tomando rumos muito diferentes dos que eu esperava, mas que nos tirou daquele buraco. Lá fora as coisas estavam bem diferente do que em 2005. Recebemos alguns olhares desconfiados, como se tivéssemos feito algo terrível ou indecente, não havia nenhum drogado no beco e as ruas estavam mais movimentadas do que nunca. Fusca e Kombi de todas as cores transitavam de lá para cá. Garotinhas com saias floridas e flor no cabelo de mãos dadas com a mãe, à mendigos com rastafári tocando violão para ganhar trocados. Havia de tudo. A locadora de cartuchos da Nintendo estava aberta e tão movimentada quanto deveria estar 16 anos depois. Uma senhora, que regava as suas plantas, sorriu simpática quando nós passamos em frente à sua casa, que estaria rodeada por teias dali um tempo. Não era essa a lembrança que eu tinha desse ano, pensando bem, um futuro assim não seria nada mal.

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