Dia 28 de agosto de 1989

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- Eu aceito. – Marcos disse.

Estávamos todos na sala de reuniões no último andar da casa principal e, como sabe, já não era a primeira vez que passávamos por ali. Havia algo de atípico naquele dia. As cortinas da grande janela que dava vista para a entrada da casa permaneceram fechadas e as luzes do cômodo acesas. A porta de entrada, também fechada, aumentando ainda mais o suspense da cena. Cheguei a acreditar que teríamos ali uma sessão de Tarô ou leitura das mãos, qualquer coisa do tipo, apesar de, no lugar de cartas, estarem rodas de rolimã sobre a mesa. Mas ele tinha nos reunido ali por outros motivos.

- Aceita?

- Sim, eu aceito. Decidi que estou pronto para encarar isso pela última vez.

- O quê?

- Ora, vocês sabem muito bem o quê! Não me façam ter que dizer de novo.

- É sobre... – Bianca apontou para a cabeça.

- É claro que é sobre isso, menina burra. O que pensou que fosse?

- Achei que queria algo mais picante com essas cortinas fechadas e todo esse clima. – Provocava Carlos enquanto Marcos reprovava com seu olhar.

- Eu não acho que nós sejamos qualificados para isso, senhor... – Tomás.

- Não falo com você. – Ele apontou para a psicóloga – É com ela. O que me diz, garota?

Passamos um momento calados esperando algum tipo de reação, mas ela não veio de nenhum dos lados. Bianca arranhava com a unha a parte de baixo do tampo da mesa, mas seu semblante não aparentava nervosismo. Até que, de repente, ela pôs as duas mãos sobre a mesa e disse:

- Vai ser difícil eu aceitar.

- O quê?

- Acontece que você deveria se encontrar com um psiquiatra, é o melhor para você. Além do mais, eu não tenho autorização para atuar como psicóloga aqui e nem para te passar uma receita.

- Então isso termina aqui. – Ele abriu as cortinas. – Podem voltar aos seus quartos ou dar uma volta por onde quiserem, sintam-se à vontade.

- Não tem nada mesmo que você possa fazer? – Tomás cochichou para Bianca, mas antes que ela respondesse, Marcos rebateu.

- Não. Agora não precisa mais. Nem sei porque perco meu tempo...

- Tem algo, sim, que eu possa fazer. – Ele parou no caminho para a porta, de costas para nós e não respondeu – Bom, nós poderíamos conversar e, quem sabe, poderia te ajudar a esclarecer os seus sentimentos ou as suas angústias. Mas com remédios eu não posso.

- Podem ir. – Ele abriu a porta – Menos a doutora.

Saímos sem reclamar, mas confesso que pensei em olhar para ela imaginando que receberia algum tipo de confirmação de que estaria bem depois que saísse, mas resolvi não fazer. A única coisa que restou da sala foi o barulho da porta batendo atrás de nós.

Lá embaixo, decidi tomar o café da manhã, já que ainda era por volta das 8 horas. Liguei a TV e retomei meu velho ritual matinal, agora com suco de laranja e misto quente.

- Em 21 de março deste ano, caiu em Guarulhos, São Paulo, um Boeing 707 do voo 801 da Transbrasil, ocasionando a morte de 22 pessoas e dos três tripulantes em terra, além de ter ferido mais de cem pessoas. – Um repórter falava na TV. – Veja agora o estado psicológico dos moradores da região após 5 meses da tragédia.

Enquanto assistia à reportagem e lanchava, começava a me lembrar, afinal era isso o que fazíamos ali. Me lembrava das manhãs frias de domingo quando repetia o mesmo processo, mas ao lado de outra pessoa. O engraçado é que, mesmo depois de passar por tantas coisas, eu terminava assistindo à televisão sozinho no sofá. Mas, ainda pensando a respeito disso, percebi de relance as chaves de um Porsche sobre a mesa, junto do alarme do carro, e vi a minha frente tantas possibilidades que seria impossível enumerá-las. Quem sabe quantos perigos me aguardavam? Talvez eu estivesse errado, mas que mal faria? Aí eu peguei as chaves.

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