Entre 8 anos antes e o dia 30 de agosto de 1989

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Não era para eu ser preso. Eu devia estar agora em casa, comendo aquele churrasco com a minha namorada, vendo os sobrinhos tomarem um banho de piscina enquanto os meus pais assistiam uma boa novela. Quem sabe até o meu irmão estivesse lá. Ou então estaria no tribunal condenando as pessoas certas ou ajudando as pessoas erradas, sei lá, não dá para acertar todas as vezes. Mas eu não devia ter sido preso.

Nós tínhamos uma grande vinícola no interior do estado, então acabei não crescendo na cidade grande. Meus avós eram italianos e meus pais herdaram tudo aquilo, e pode-se dizer que os negócios estouraram quando eu e o Jonatas éramos pequenos. O dinheiro não demorou a chegar e a tão sonhada mudança para a cidade também não. Era tudo mágico. Até posso dizer que gostava da escola. E das garotas. Popular. Acho que essa é a palavra. Eu não falhava: era forte, estudioso, todos me amavam e eu tinha grana. Vivia o chamado "Sonho Americano". Em compensação, o meu irmão mais velho, Jonatas, foi meio que deixado de lado, já que eu era "o favorito". Tomou várias bombas, desistiu da escola, não ligava, não parava mais em casa e passava dias chapado com os seus amigos. Conforme o tempo ia passando ele ia cada vez mais se distanciando.

Me formei em advocacia o mais rápido que eu pude. Era o sonho do meu pai, e acho que, com o tempo, se tornou o meu também. Ele e todos os outros estavam lá, até a tia Petúnia que passava o fim de semana quase todo no bingo. Mas, quem eu mais queria que comparecesse, não veio. Depois da formatura, eu e uns amigos fomos à um bar, logo ali no centro, o Bar do Paul, de um barman que se chamava Paul, o qual não posso dizer que era má pessoa. Foi o dia mais feliz de todos os dias da minha vida. Foi quando eu a conheci.

- Bebida de graça pra todo mundo! – Gritou o Paul de trás da bancada e todo mundo respondeu com um caloroso "Yeah! ".

O Bar do Paul estava especialmente cheio naquele dia. As mesinhas, como sempre, cobertas por um pano vermelho e com porta guardanapos e saleiros sobre elas, algumas também tinham pratos e comida, mas não importa. O Paul limpava a bancada com um pano molhado e atrás dele estava uma estante das melhores bebidas que pode imaginar. Alguns dos vinhos que tinha ali eram mais velhos que a vinícola dos meus pais. E o lugar extrapolava os padrões quanto ao tamanho. Era singular.

- E aí? – Perguntou uma garota com um caderno de anotações e bandeja – O que vai ser para os formandos?

- Eu estou realmente interessado na bebida que o Paul havia mencionado uns minutos atrás. – Falou um dos garotos que estavam na mesa. Não pareceu tão erudito quanto queria.

- Ok. – E ela não parecia "muito animada" – E o resto, o que vão querer? – E todos responderam "O mesmo! ".

- Ei garotão! – Me cutucaram – O que se passa aí dentro?

Era um dos meus colegas. Chamavam ele de Ás, por que era fascinado por jogos que envolviam as cartas, adorava perder as tardes de domingo com seu avô, que era especialmente bom, segundo ele. Mas não éramos assim tão chegados quanto ele gostaria.

- A bebida. – Era das desculpas mais fracas – Será que vai demorar mais?

- Eu sei que não é. – Me cutucou de novo – Não acha que vai me enrolar com essa, não é?

- Não, cara, só não quero falar sobre.

- Tudo bem. – Apertou os lábios.

Eu voltei a olhar para as minhas mãos vazias, o que era o meu principal passatempo há um bom tempo. Na época, eu não era tão forte quanto agora, psicologicamente falando, e, apesar do meu sucesso no colégio, ele se tornava cada vez mais banal e insignificante. Tudo o que se passava na minha mente no momento envolvia o meu irmão e os tais amigos. A garçonete deixou os copos e uma garrafa de cerveja sobre a mesa. Estávamos em cinco e ela não durou muito. Peguei o meu e me sentei em uma cadeira próxima da bancada. Balançava a cerveja no copo, mas quase não bebia. Esfregava os dedos para esquentá-los depois de largar o copo, o que não fazia sentido. Cocei o queixo, mas...

Depois de NósWhere stories live. Discover now