Dia 27 de agosto de 1989

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Na madrugada do dia 27, "contrariando" todas as expectativas de Marcos, eu não fui dormir. Na verdade, na porta do meu quarto, me lembrei de que algo importante aconteceria naquele mesmo dia, algo que mudaria não apenas uma, mas várias vidas. Pessoas que eu nem mesmo sonhava com a existência, sofreriam as consequências do que eu estava prestes a mudar.

Alguns dias atrás, como já foi dito, eu e Carlos fomos encarcerados no elevador de Baltazar e lá mesmo ele desabafou comigo histórias que guardou para si por mais de 10 anos, histórias para se chorar no silêncio escuro de um canto de presídio. Ele me contou da sua prisão e de como seu próprio irmão maquinou para que ele fosse injustamente preso. Sua namorada foi assassinada. Mas esse dia seria um dia de justiça.

Como eu ia dizendo, me atirei para fora da mansão e nem mesmo me lembrei de fechar a porta. Lá fora, uma chuva fina e preguiçosa caía sobre os telhados da casa, pingando sem parar das calhas para o chão num ritmo monótono e cansativo. Escorregar na terra molhada aconteceu e mais de uma vez. O cheiro que vinha dela era reconfortante e o sono persistia, mas ainda assim tentei manter o foco. Quando foi falado sobre os quartos nos fundos, imaginei que seriam apenas quartos, porém mais uma vez eu estive enganado. Ao invés de simples quartos, me deparei com uma estrutura tão grande senão maior do que a principal, sendo assim, uma casa completa, semelhante a primeira, com a exceção de uma baixa, porém extensa, estufa ao lado, a qual podia ser vista do meu quarto. Logo me aproximei da porta, que estava trancada.

- Carlos! Bianca! – Esmurrei a porta enquanto gritava – Ei! Carlos! Acorda! Bianca!

Repeti o ato inúmeras vezes até que minha mão se cansasse. Depois de alguns minutos sem obter resposta, resolvi recorrer a outros métodos. A casa consistia em apenas um andar além do térreo, diferente da primeira, mas a altura excedia todos da casa principal. Em frente à entrada, estava uma árvore, raízes profundas e galhos grossos, até poderia me distrair com a cena em um momento oportuno. Um dos galhos me levaria diretamente a uma das janelas, que convenientemente estava aberta, não importava de qual quarto ou quem dormisse ali, mas importava que ela seria a minha passagem para entrar na casa e poder conversar com Carlos o mais rápido possível. Certas coisas só se tem uma chance de se fazer e aquela era a minha chance.

Corri em direção a árvore e tentei pular no tronco para, em seguida, me dependurar no galho, mas acabei caindo e a lama explodiu em várias direções em um barulho desagradável, quem sabe engraçado. Me levantei e insisti na mesma estupidez e só fiz mergulhar minha roupa mais uma vez no barro. Tente entender que eu estava com sono e tentando ajudar alguém, o que nunca foi o que se pode chamar de hábito, então acho que pedir um desconto pelas idiotices faz todo sentido em uma situação como essa. Da vez seguinte, recorri a elevação que dava em direção a porta, nela haviam parapeitos e em um deles eu tentei subir para chegar a cobertura que ficava acima da entrada. Assim que fiquei de pé no telhado, minhas pernas começaram a tremer sobre as telhas molhadas pelo chuvisco e fazia de tudo para não errar o passo. Cada movimento era uma preocupação e de repente uma telha bamba se soltou com a minha pisada. Eu escorreguei e caí sobre a cobertura num baque forte, o som retiniu por um tempo e milagrosamente a cobertura não desmontou inteira no chão. Me reergui e finalmente cheguei à janela.

Depois de entrar no quarto no maior silêncio e delicadeza que um assaltante poderia, fechei a janela. Lá dentro, o breu era ainda mais intenso do que no lado de fora e não fui recebido com flores.

- Quem é que tá aí?

- Ei, ei, calma aí!

- Quem é?

- Calma, sou eu!

- Eu quem?

- Como assim você não sabe quem eu sou? Você me conheceu hoje cedo.

Depois de NósWhere stories live. Discover now