Dia 25 de agosto de 1989 - Parte 2

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E nada era o que fazíamos no elevador enquanto ele contava sua história. Carlos olhava para o canto com o queixo caído sobre o peito, as mãos amarradas caídas sobre a barriga, os pés não se moviam e o rosto não tinha expressão. Para falar a verdade, tinha uma sim. A de desistência. Ele não olhava mais para os fios e nem para as mãos, não coçava a testa e nem me perguntou mais sobre a escotilha. Ele olhava para o nada.

- Ok! – Fiz um esforço já não tão grande para levantar – Vamos dar um jeito.

- Para?

- Como assim? Pra sair daqui, caramba.

- Você já me disse que não vamos sair daqui tão cedo. – Suspirou.

- Não quer dizer que não possamos continuar tentando, grandão. – Ele me olhou nos olhos e eu olhei nos dele. Logo teríamos um plano.

Continuamos a tentar. Ele insistiu em querer quebrar a escotilha ou algo assim com a sua "super força", estudamos melhor os fios, arrancamos o carpete e até gritamos como duas menininhas no Réveillon. Nada funcionava. Não havia nenhuma caixa de força, não tínhamos nada para cortar as amarras e mal sabíamos ao certo o que o velho queria de nós. E aí veio uma nova esperança, que não é o filme.

- E se tentarmos nos suicidar? – O advogado perguntou.

- Olha, cara, sei que estamos juntos há muito tempo e que não tá suportando, mas a gente vai conseguir, tá? É só continuarmos a procurar.

- Escuta, eu sou advogado, já conheci tipos como o dele. – Segurou meu ombro – Não nos quer mortos.

Além de Baltazar saber que éramos impostores, suspeitava de algo mais, e queria que soltássemos as informações que ele procurava naquele elevador enquanto confinados. Talvez até já soubesse que éramos os tais viajantes do tempo que ele havia mandado em sua máquina no futuro, mas algo ele ainda não sabia. Era um homem esperto. E aí veio o plano. Olhei para os fios. Olhei para o carpete velho. Peguei as pilhas do Walkman.

- Preciso de dois fios, doutor formando. – Dei aquele sorriso que não dava há tempos.

- O quê que a gente vai fazer? – Ele me trouxe os fios.

Desencapei todas as pontas, liguei cada uma delas à cada um dos polos e juntei as duas últimas restantes. Aquele carpete tinha mais mofo do que o barraco em que eu morava, já se desfazia e estava seco, muito seco. Imaginei que, com um empurrãozinho, tudo aquilo pegasse fogo e, num ambiente fechado e pequeno, rapidinho o oxigênio acabaria. Preparei os fios, posicionei eles sobre o carpete e, em instantes, a física começou a feder. As chamas se alastraram por todo o pano velho e a fumaça preencheu todo o elevador em pouco tempo. A sensação de ter o corpo sendo queimado de dentro para fora também não demorou a chegar. Tossimos muito, tossimos mais e em pouco tempo estávamos com as mãos nos pescoços amaldiçoando aquela ideia e, ao mesmo tempo, torcendo para que funcionasse. Enquanto caíamos no chão, desistindo de vez, víamos a porta de madeira se abrir com um sonoro "ting" de uma campainha.

*

Desacordados. Mais uma vez. Mas, dessa vez, acordei tossindo, e não estávamos sozinhos. Pelo menos não era o que parecia. Meus olhos ardiam, minha garganta estava mais seca do que antes, além da fome e das dores e do gosto de fumaça que insistia em flutuar na minha boca. Mas o plano tinha funcionado, o cenário era outro. Permanecíamos presos, mas agora amarrados em cadeiras, eu e o Carlos, que também começou a tossir. A nossa frente, uma mesa de mogno encerada e cheia de detalhes nas pernas sustentava um porta lápis, um apontador, uma borracha pela metade e muitas e muitas folhas com várias e várias anotações sobre elas, além de desenhos que chegavam a sobrepor as escritas em letra miúda. Em frente à mesa, uma bela cadeira, ainda mais detalhada e encerada que a mesa, com estofado coberto por couro. Um cadeirão bem alto e caro, com certeza. Atrás do cadeirão, uma grande janela, que cobria quase toda a parede e dava vista para um belo jardim e carros pretos, sem dúvida os que nos levaram para lá. Aos lados da janela, suntuosas cortinas cor de vinho, impecáveis e intocadas.

Depois de NósWhere stories live. Discover now