Madrugada do dia 26 de agosto de 1989

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Tomás foi levado para a UTI, perdeu muito sangue com os disparos e todos ficamos muito preocupados com o que poderia acontecer em seguida. Ainda na discoteca, logo depois dele ser baleado, um grupo de policiais atiraram granadas de fumaça no salão e em seguida entraram, com máscaras. Dois dos atiradores foram mortos, mas Fuinha e os outros dois acabaram em cana. As coisas aconteceram bem rápido e tudo que conseguimos fazer ali, tudo que eu consigo me lembrar, é que nos escondemos atrás do sofá e o advogado puxou Benito para perto, depois não se via nada por causa da fumaça e o que se ouvia eram vários disparos ininterruptos. Quando tudo acabou, gritamos por socorro e nos levaram para o hospital o mais rápido que puderam. Examinaram a todos nós, mas, além de alguns cortes, ninguém sofreu nada tão grave quanto Tomás. Três tiros: no ombro direito, na coxa esquerda e ao lado do estômago; por sorte, nenhum atingiu alguma artéria. Lá para as cinco da madrugada, fui visita-lo.

- Ei, rapaz! – Me sentei ao lado dele, na cama – Como está se sentindo?

- Furado? – Sorriu – Acho que é a palavra certa. A enfermeira disse que eu vou sobreviver.

- Isso é bom.

Esperamos quase seis horas sem recebermos nenhuma informação, eu fui o primeiro a visita-lo e tudo o que disseram foi "está estável", como se resolvesse alguma coisa.

- Nem tanto... – sua voz estava fraca – deve me querer morto.

- Não! – Bem surpreso naquela hora – Por que acha isso?

- Bom, eu...eu te convenci a ir para lá, eu te fiz a proposta...- parecia meio confuso – imagino como deve estar sendo difícil...para você...

- Todos passamos por dificuldades, garoto. – Pus a mão em seu braço – Não quer dizer que não possamos conviver com elas, não é?

- Claro. – Fez uma careta – Por favor...chame a enfermeira, estou com muita dor...

- Enfermeira!

- Pois não? – Ela entrou no quarto.

- Será que poderia dar um analgésico para ele?

- Só um minuto, senhor. – E se retirou.

Continuei ali, o observando, enquanto ele olhava para o teto. Parte do seu cabelo ainda estava suja de sangue, usava um daqueles aventais de TNT azul, seu ombro foi enfaixado com gaze, recebia sangue de uma bolsa pendurada ao lado e seu semblante não transmitia muito, parecia estar morto e pronto para ser embalado. Até que, olhando para aqueles olhos absortos, me veio uma coisa à mente.

- O que aconteceu no dia 30?

- Por que...por que essa pergunta agora? – Seus olhos começavam a brilhar e ele gaguejava.

- Por favor, - meus olhos passavam uma pena que eu não pretendia demonstrar – me conta.

- Não.

- É difícil para mim também, mas precisamos fazer algo quanto ao passado.

- Parece tão presente quanto o agora.

- Olha, eu sei que... – fui interrompido pelo retorno da enfermeira.

- Trouxe o seu analgésico, garotão! - Ela estava com um frasco na mão e uma injeção na outra, puxou o líquido com a agulha e aí eu percebi.

- Espera. – Segurei o braço da enfermeira antes que aplicasse a injeção.

- Senhor, preciso fazer o meu trabalho.

- Não, não! Olha o frasco, é para uso oral. - Ela olhou para o frasco e constatou o que eu falei, pareceu tão culpada quanto deveria estar.

- Meu Deus! Meu Deus, me desculpa, por favor me desculpa?! – Ela chorou – Me desculpa, por favor?! É o meu primeiro dia e....por favor, me desculpe?

- Não, tudo bem! Não precisa disso, é só...trocar o frasco. – Sorri.

- Tudo bem, tudo bem...

Ela saiu do quarto repetindo as mesmas palavras e secando as lágrimas com a manga do jaleco. Tomás parecia agora tão assustado quanto eu estava e permanecemos nos olhando de olhos arregalados por alguns segundos, terminando com um "obrigado" que ele balbuciou.

- Eu...gostava de observar as formigas. – Foi o que disse depois, com muito cansaço na voz.

Depois de NósWhere stories live. Discover now