Entre o dia 09 de agosto de 1988 a 30 de agosto de 1989

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Gostava de observá-las, a forma como se organizavam, como trabalhavam, como guardavam a comida, seus líderes, as casas perfeitas que construíam, a forma milimétrica como calculavam tudo para que tudo desse certo. Eu gostava de olhar para elas e eu me imaginava como uma delas, dentro daquele sistema perfeito, onde todos aceitamos o que somos. Veja bem, uma operária não reclama com a rainha o "salário baixo" ou por que ela tem de sair todos os dias, correr riscos e sofrer mutilações, ela não faz perguntas, ela age, e a rainha também cumpre o seu papel, melhor do que muitos presidentes por aí. Pode parecer bobagem, mas era no que eu acreditava, pode rir se quiser ou falar que é chato ficar agachado o dia inteiro observando as formigas com uma lupa, eu não acho. Deve ter sido aí que me interessei pelos computadores: são tão perfeitos quanto a vida de uma formiga.

Eu colecionei bonecos de Star Wars toda a minha infância, principalmente, e os pôsteres, canecas, até o meu Atari tinha adesivos do filme, era bem legal. Eu também jogava RPG com os meus amigos de escola, eu era o mestre sabe, sempre fui bom nisso. Mas acho que estou me distanciando do foco. Não quero mesmo tocar nele.

Todas as noites minha mãe me colocava para dormir, ela rezava comigo e me desejava boa noite, me cobria com aquele cobertor quentinho. No início, até o meu pai fazia, mas acho que ele perdeu a prática ou não tinha mais o tempo, e eu sinto muito por isso. Mesmo assim, costumava me levantar de madrugada para jogar no meu Atari, abaixava o volume da TV e ficava em meio as cobertas jogando. Dia 09 de agosto de 1988. Meu pai acabara de chegar.

- Regina! – Dava para ouvir de lá de cima ele fechando o guarda-chuva – Cheguei, amor!

- Fala baixo, Hector! – Falou mais baixo, mas ainda dava para se ouvir. – Acabei de colocar meu filho para dormir.

- Nosso filho.

- O filho de que você se esqueceu, não é? Passa todos os dias fora, não vai nem te reconhecer com essa barba.

- Olha aqui, já te disse, o turno da noite é puxado, estou muito cansado, não tenho tempo para discussões bestas agora.

- Discussões bestas? – Agora ela também gritava.

- É, é uma discussão idiota, dou o meu melhor lá fora para conseguir o dinheiro que você nunca vai conseguir se continuar sem trabalhar.

- Espera aí, eu cuido do Tomás muito melhor do que você. – Ela riu – Sabe, Hector, o dinheiro não é tudo.

- Mas é necessário, Regina.

- Você coloca ele à frente do próprio filho, como pode se orgulhar disso?

- Sou operário numa multinacional, acha que é fácil para mim passar tantos dias fora?

- Também existem excelentes empresas dentro do estado, sabia? Pega essas estradas todos os dias, me preocupo se você vai voltar.

- É claro que vou voltar! – Respirou fundo – Isso não tem cabimento, Regina. Eu e você sabemos que isso é paranoico.

- Por que não pode trabalhar aqui perto, hein? Sabe, o seu Jorge precisa de ajuda na padaria, ou você poderia trabalhar em uma oficina, sei que é bom nisso, ou então...

- Ou então poderia continuar onde eu me garanto. – Ele começou a subir as escadas com as suas galochas sujas de barro. – Aceita isso.

- Está me traindo, Hector?

- Como é que é? – Realmente furioso – Tá de brincadeira comigo, não é?

- Bom, foi só uma pergunta eu não...

- Pois me insultou! Estou cansado, Regina, eu sei que é difícil, mas é o melhor.

- Como sabe que é?

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