Dia 25 de agosto de 1989

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Afinal as coisas não terminaram tão dramáticas quanto começaram. A psicóloga e o presidiário chegaram naquela mesma noite. Não foram me ver nem perguntaram por mim, mas eu não sou do tipo que guarda rancor. Na manhã seguinte discutimos sobre o encontro ao meio dia e, apesar das constantes interrupção do Tomás, a gente resolveu isso bem rápido. Mesmo eu tendo sido contra, decidimos que eu e o advogado nos encontraríamos com o velho e mandaríamos aquele papinho do Walkman, enquanto Bianca e Tomás ficariam de fora para caso alguma coisa acontecesse. Encomendamos marmitas e comemos separados, cada um em seu quarto. Não trocamos nenhuma palavra até chegarmos à praça.

Pode-se dizer que estava um dia bonito. Aqueles de cinema, sabe? 27°C, nenhuma nuvem, os passarinhos cantando e a padaria ao lado bem movimentada, assim como as estradas com seu corre corre ininterrupto. Chamo isso de "balé capitalista" e era exatamente o que faríamos em seguida: traçar o fluxo capitalista como bons vendedores. Pelo menos era essa a intenção.

Vestíamos os trajes sociais que eu e Bianca compramos na manhã anterior. Elegantes, mas não confiantes. O advogado não vestia uma roupa decente há anos e remexia o colarinho e as mangas da camisa de tempos em tempos, além de sacudir a calça jeans toda hora e dizer que estava pinicando, e eu me certificava a cada minuto de que o rádio estava comigo. Pode se resumir a longa caminhada até lá dessa forma. Bianca não falava comigo e Tomás continuava a insistir que aquilo não era uma boa ideia.

Próximos ao beco em que chegamos dois dias antes, nos separamos. Ninguém nos desejou boa sorte nem disseram um "até logo". Depois de um tempo já víamos a praça, mas sem sinal de Baltazar. Martini passou as mãos no cabelo e disse "ok, vamos lá" sem muito entusiasmo e ainda parecia mais tenso do que eu, não pelo velho, mas, acredito, pela possibilidade de a garota estar ali e dele fazer um escândalo. Caminhamos a passos não tão firmes e esperamos. Por um bom tempo apenas esperamos.

- Quantas horas devem ser agora? – O advogado perguntou.

- Deve estar só meia hora atrasado. – Olhei para o sol – Vamos esperar mais um pouco.

E nós esperamos e esperamos, mas ninguém veio. Já deviam ser umas duas horas e, enquanto nos virávamos para ir embora, ele infelizmente apareceu.

- Doutor Viana! – Sorriu. Falso.

- Oi! – Menos falso – Por que demorou tanto?

- Sabe como é, mamãe está naqueles dias! – Sorriu mais uma vez – Mas eu não queria perder nada disso aqui.

- Bom, nós também não! – Falou Martini, seguido de risadas de constrangimento por ambos.

- Então, vamos ao que interessa, não é?

- Claro! – O sorriso sumiu. Ele levantou a mão como Hitler faria – Mas não aqui, tudo bem?

De repente, homens de terno surgiram do nada como ninjas em um filme do Bruce Lee. Um deles amarrou as mãos do advogado enquanto outro o dopava com um pano com sonífero, e o mesmo fizeram comigo, antes de dois carros pretos pararem perto da calçada onde estávamos. Abriram a porta traseira de um dos carros e me jogaram lá dentro enquanto caía em um sono profundo. A última coisa que vi foram os fachos de luz daquele belo dia entrando no breu que era o interior daquele carro fúnebre.

*

Eu não enxergava quase nada quando acordei. Meus olhos latejavam e minhas pálpebras ainda pesavam, minha garganta estava seca e sentia um gosto de remédio na boca. Minhas mãos estavam amarradas com uma corda que parecia bem resistente, então eu tentei desatar o nó, mas sentia meus dedos dormentes e acho que, mesmo com eles em bom funcionamento, não conseguiria. Aos poucos, minha visão melhorava e pude ver que minha blusa nova estava suja de graxa e, minha calça, cheia de um pó branco. Tinta velha, com certeza. Supus que a graxa fosse de uma garagem ou algo assim. Então, a primeira conclusão a que cheguei era que estávamos em uma casa e não no apartamento do velho, o que já era um fator agravante. Não havia nenhum ponto de referência caso tentasse fugir. Ainda assim, como um bom Sherlock, eu tentaria.

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