Dia 30 de agosto de 1989, 20hr13

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Ela parou de beber. Depois da última garrafa se espatifar no chão, preferiu pedir uma coxinha com catupiry e molho de pimenta. Era tudo o que precisava agora. Não queria mais voltar ao fundo do poço, o que, nesse caso, seria o fundo da lata. As caras e bocas que Daniel fazia eram uma mistura de muita coisa, desde surpresa a deboche, tristeza a pena, mas nenhuma delas o levou ao choro ou a quebrar outra garrafa, o que os mandaria de vez para fora do bar.

Ele arrotou e pediu outra garrafinha, que dividiu entre dois copos americanos. Ela não queria, mas ele insistiu. É provável que a insistência tenha sido a principal causa de estar ali, oferecendo o ombro a alguém que já não era mais tão desconhecida quanto há duas horas. Já poderia se dizer que eram conhecidos de longa data, mas não amigos. Aparentemente por que, considerando o que havia contado das 17 horas e 40 minutos às 18 horas e 37 minutos daquele mesmo dia, para o doutor, essa palavra já não passava de uma caixa vazia.

- E você não voltou mais, voltou?

- Não. – Se olharam mais uma vez. – Eu não posso.

- Por que não? – 'Daniel agora parecia mesmo preocupado.

- Eu...eu não sei. Toda vez que nos aproximamos ele parece se distanciar cada vez mais...não sei se eu vou suportar se alguma coisa de mais grave acontecer. – Secou os olhos.

- Se você não tentar mais uma vez pode se arrepender mais tarde. – Sabia que era clichê, mas nunca fora um bom psicólogo.

- Eu sei, eu sei...é que...não tenho coragem suficiente. – Tomou um gole do refri – Agora é a sua vez, doutor.

- De?

- Como assim "de"? Sua vez de continuar a sua história. – A voz parecia mais animada. Só parecia. – Acho que, agora, eu estou realmente muito interessada.

- Mentira!

- É sim, vou ficar acordada, eu prometo. – Mostrou as mãos – E não estou cruzando os dedos.

O doutor sorriu mais uma vez e tomou o resto da Coca. Ficou um bom tempo parado, como se tentasse se lembrar em que ponto da história parara. Não naquela que contava, mas no tempo. Já via 2005 como uma névoa na escuridão e poucos eram os fachos de luz que podiam ser discernidos. Sua mente, perdida. Foi quando a crise de tosses voltou a atacar, dessa vez com ainda mais força. "Ei, Pica-Pau, você tá bem? ", era o que ela perguntava, pensou em pedir ajuda, mas o barman já chegava para dar assistência. O doutor sacou um pano de um dos bolsos e o colocou na frente da boca, enquanto, aos poucos, melhorava da tosse. A mancha de sangue que deixou no pano ele escondeu de quem estava ali.

- Bom. – Respirou fundo – Acho que já demorei demais. – Sorriu.

Depois de NósWhere stories live. Discover now