Todos cansados de mim.

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Foram dois meses se cortando e ninguém percebia, até que Tânia viu que realmente precisava de ajuda. Seus pensamentos não eram como os de Gabriel que fazia aquilo apenas para afastar uma dor, eles eram maiores e mais difíceis de controlar. Ela sabia que se tirasse a sua própria vida, estaria rejeitando Deus que era a Vida, e quando rejeitavamos a Deus, consequentemente aceitavamos o inferno.

Se ela se matasse, Tânia sabia das consequências, todo santo dia em que ela ia na igreja, o Obreiro ou o Pastor, usados por Deus falavam a mesma coisa, mas aquilo não parecia ter efeito mais na garota.

Tânia deixou ser cegada pela dor.

Então a garota tomou uma atitude, ela ia buscar ajuda, mesmo que fosse difícil, ela precisava.

Os jovens estavam chegando aos poucos para o Encontro, era cedo ainda e Tânia havia sido uma das primeiras a chegar junto com Larissa.

-Nossa que calor! -Larissa amarrou seus cabelos e começou a abanar com sua agenda. -Se essa camisa de obreira esquenta, imagino essa preta do Help, mas essa blusa de manga por debaixo, sei que ela é fina, mas ainda assim você deve estar morrendo aí dentro.

Tânia concordou, realmente estava morrendo de calor e sem notar o que fazia, levantou uma de suas mangas para se sentir melhor.

-O que é isso? -Larissa perguntou com os olhos alarmados segurando o pulso de sua amiga.

-Não é nada. -Tânia rapidamente puxou o braço de volta.

-Você está se cortando?

-Não é da sua conta!

-Tânia! Pelo amor de Deus...

-Lá vem! -Tânia cortou a fala de Larissa. -Lá vem a "dona perfeição" para me dar lição de moral!

-Não estou dando lição de moral em você, mas como você pode fazer isso consigo mesma? -Ela olhava para Tânia como quem ainda não conseguisse acreditar no que havia visto. -Todo santo dia os obreiros falam, o pastor fala, a Bíblia fala! Como pode se automutilar? -Larissa olhou para a camiseta do Help que Tânia vestia. -Como consegue colocar uma camiseta em que fala sobre uma forma de vencer a automutilação e está cometendo o mesmo erro? Como pode ajudar alguém sendo que você é quem mais precisa de ajuda?

Larissa a olhava, tentava de todas as formas fazer com que a garota enxergasse que aquilo não era o certo, que ela tinha todo o potencial para seguir em frente e mudar totalmente o seu interior, mas sempre acabava voltando para a estava zero.

Entretanto Tânia não conseguia enxergar aquilo como uma acorda de sua amiga, no mesmo instante seu rosto endureceu e ela não queria mais ouvir a garota que estava a sua frente.

-Você precisa de ajuda, se não quiser a minha, tudo bem, vamos até a esposa do obreiro, ela vai te ajudar e... -Larissa falava enquanto começava a andar em direção a salinha de campanha, mas antes que pudesse ir, Tânia segurou seu braço.

O aperto era forte e Larissa sentiu seu braço doer:

-Você não vai contar para ninguém. -Tânia falou cerrando o maxilar.

-Me solta. -Os olhos de Larissa eram duros, Tânia nunca havia visto sua amiga daquela forma. -Está me machucando, me solta.

Tânia soltou o braço de sua amiga e Larissa se limitou a dizer:

-Você já passou por tanta coisa, não foi o bastante ainda?

Tânia ficou em silêncio enquanto sua amiga ia para a frente e se sentava ao lado de Sara. Sara parecia bem melhor do que a primeira vez que havia posto os pés no grupo dos jovens, toda a sua mudança era resultado de uma entrega para Deus.

Todos naquela igreja estavam cansados da garota. Tânia só dava problema, Tânia sempre aparecia com alguma coisa nova para dar errado, todo mundo se entregava, todo mundo mudava de vida e Tânia ficava para trás.

A garota respirou fundo enquanto a reunião começava com uma apresentação do Cultura.

"... Vez em quando eu me encontro só
Entre quatro paredes ninguém pela meu semblante carente do que nem sei encontrar
A parte boa do mundo tá na sequela
É tipo banho de sol: A ficha cai quando você volta pra cela,
Quando o caneco seca, a solidão desperta e aquele ar de felicidade te abandona
Tento esconder o vazio que me assombra na roda dos amigos e nos “rolêzim” com as donas..."

     -Eu posso me sentar aqui? -Ela perguntou para um rapaz que estava sentado apontando para um lugar vazio que estava ao seu lado.

     -De boa. –Ele deu de ombros.

     -Meu nome é Tânia. –Ela se apresentou.

     -É nós, Tânia, o meu é Rafael. -O rapaz sorriu. Tinha os cabelos castanhos claros assim como seus olhos.

     -É a primeira vez que você vem na nossa igreja? -Ela tentou puxar assunto com rapaz.

     -É a primeira vez que eu vou a uma igreja.

     -Nossa! –Ela arqueou as sobrancelhas.

     -Pelo visto isso é horrível. –Ele brincou, mas no fundo pareceu estar incomodado.

     -Desculpa, é que é difícil encontrar alguém que nunca tenha ido a uma igreja.

     -Talvez seja porque o modo como eu vivo não me dá nenhuma brecha pra pensar nessas coisas. –Rafael falou roucamente.

     Tânia abriu a boca para falar alguma coisa, mas foi interrompida pela voz do Obreiro Pedro:

     -Assim como nessa música que acabamos de ouvir, muitos de vocês vivem apenas de fachada. –O líder começou a pregar. –Muitos mostram tanto poder, tanta popularidade para amigos e familiares, muitos até querem ser como você, mas só você sabe o quão triste e vazia é a sua vida. Você deita na cama e vê que ninguém de fato e de verdade está do seu lado, que tudo aquilo que você pensa em ter não é nada, porque nada preenche o seu vazio... O tema do Encontro de hoje é "Seguir a Cristo? Pra quê?". Eu posso dizer milhões de motivos para vocês seguirem, mas apenas um eu sei que basta: Ele é o Único que pode de verdade preencher esse vazio e mudar totalmente o rumo da sua história. Vamos ficar de pé e fazer uma oração.

***

     -E aí, você gostou da sua primeira vez na igreja? –Tânia perguntou sorrindo enquanto os jovens se reuniam para os recados finais.

     -Uhum. –Ele acenou com a cabeça pensativo. -Jesus pode mudar a nossa vida?

     -Sim, quando fazemos o que Ele nos pede, Ele muda. –Ela puxou a manga de sua blusa de frio cobrindo ainda mais seus braços. –Mas enquanto a gente não tomar a atitude de se entregar de verdade –Ela caminhou até a porta. –Ele fica impossibilitado de fazer alguma coisa.

     Rafael ia abrir a boca para perguntar, mas um policial parou em sua frente:

-Você é o Rafael Oliveira? -O garoto não respondeu. –Você está detido, garoto.

O que aconteceu em seguida foi muito rápido. Rafael tentou fugir, mas o policial já prevendo o seu ato, o pegou pelo pulso, jogando seu corpo contra o carro da policia, e prendendo seu braço atrás de si.

     -Rafael! –Tânia deu um grito fino.

     -Está tudo bem, Tânia. –Ele falou trincando os dentes.

     -Eu quero ver até quando. –O policial riu secamente. –Anda garoto, entra no carro.

Feita de DorWhere stories live. Discover now