Feita de Dor

O pedido em meio as dúvidas.

Tânia terminava de ajeitar o laço do vestido de Eleanor na sala de campanha. Haviam vários obreiros e pastores auxiliares que andavam de um lado para o outro ajeitando as últimas coisas que faltavam para o início da reunião daquela quarta-feira.

Foi quando Rafael passou perto das duas moças e as cumprimentou com um enorme sorriso:

-Boa noite, obreiras! -Seu olhar se demorou mais em Tânia, que constrangida apenas sorriu e desviou o olhar.

Quando Eleanor se certificou que ele já estava fora do alcance de ouvi-las, se aproximou mais da amiga:

-Que olhar foi esse, Tân?

Oh, meu Deus! Ela havia percebido também, Tânia pensou consigo mesma. Então tudo aquilo não era coisa da sua cabeça, estava acontecendo alguma sim entre os dois e Tânia não sabia o que fazer.

-Que olhar? -Tânia desconversou.

-Eu não sou besta, mulher! Ja faz alguns dias que o Pastor Rafael tem olhado para você com um sorriso diferente. Ele é bem reservado, mas com você, se deixar ele passa o dia inteiro conversando! -Ela sussurrava para não ser ouvida pelas demais pessoas do local.

-Eleanor, pare de besteira. Eu e o Pastor Rafael somos apenas amigos, já disse isso.

-Mas pensa comigo, amiga. Vocês se dão tão bem como amigos, seria ótimo ter seu namorado como seu melhor amigo e futuro marido! Vocês já se conhecem alguns anos e você quer servir a Deus no Altar, eu não acho que há algum mal em você pensar nessa possibilidade. Afinal, você não gosta de ninguém, pelo que eu vi, ele também não tem ninguém! Imagine que ótimo seria se seu amigo se tornasse seu esposo!

Tânia olhou de canto para Rafael e percebeu que o mesmo a encarava. Quando percebeu que ela retribuía o olhar, mesmo de longe, ele rapidamente tentou disfarçar.

Tânia nunca havia pensando em Rafael da servir daquela forma, aquilo era muito diferente, mas e se Deus estivesse mostrando uma forma dela ser feliz?

Tânia pensou em toda a sua vida, em como havia sofrido por péssimas escolhas em sua adolescência, como ela não ter feito as escolhas que havia feito...

Ela tinha visto da pior forma como era quando deixava que os outros influenciasse em suas decisões, mas mesmo depois de todo aquele tempo, ainda tinha coisas que ela estava deixando que os outros decidissem por ela.

Servir a Deus no Altar ao lado de Rafael...

Tânia não pensou mais naquilo, a reunião havia começado e ela simplesmente ignorou o problema e se concentrou no que o Pastor dizia.

***

Os dias se passaram e nada acontecia. Tânia vivia um dia de cada vez e até acabou de esquecendo de toda aquela tensão. Rafael era pastor e tinha muitas responsabilidades, era difícil vê-lo desocupado, ainda mais tendo tempo para jogar conversa fora. A jovem também tinha suas responsabilidades, e as raras vezes que se viram, apenas trocavam cumprimentos e a garota se convenceu que tudo aquilo era bobagem, ela e Rafael eram apenas amigos.

Finalmente quando conseguiram um tempo de folga, os dois pastores Lucas e Rafael, as duas obreiras Eleanor e Tânia, e o jovem João, combinaram de ir comer em um restaurante japonês.

Tânia foi a primeira a chegar e logo e recebeu a mensagem de Eleanor avisando que não poderia ir, pelo visto tinha comido algo durante o dia e estava mal. João também avisou que não poderia ir mais, mas não avisou o porquê. A garota estava quase mandando mensagem para os dois pastores avisando que iria embora e que era melhor que eles marcassem outro dia, quando Rafael chegou.

-Você está atrasado. –Tânia disse quando Rafael se sentou a sua frente. –Cadê o Pastor Lucas?

     Rafael deu de ombros:

     -Melhor irmos fazendo os pedidos, não acha? -Ele sugeriu olhando fixamente para Tânia.

     -Está tudo bem? –Ela perguntou, Rafael parecia nervoso.

     -Claro!

     -Você está estranho!

     -Não estou, não.

     -Então por que está me olhando dessa forma? -Ela falou preocupada.

     -De que forma?

     -Sei lá, como se eu fosse capaz de acabar com a sua vida agora.

     -Impressão sua. –Rafael engoliu em seco.

     Tânia abriu a boca para contradizer, mas o garçom a interrompeu:

     -Posso anotar o pedido do casal?

     Tânia franziu as sobrancelhas e Rafael enfiou a cara no cardápio. Ela pensou em corrigir o homem, mas deixou de lado, se estivesse no lugar dele, também pensaria o mesmo. Onde estava o pastor Lucas?

     -O mesmo de sempre, dois Yakisoba. O dele é com carne e frango. O meu, apenas com frango.

     -Uma boa escolha, vocês vão querer os biscoitos da sorte?

     -Desculpe, mas nós não acreditamos em sorte. –Tânia respondeu, eles nunca haviam oferecido aquilo das outras vezes que haviam comido ali, mas não se importou, deixou isso de lado, talvez por ser um restaurante oriental haviam acabado de aderir aquilo.

     -Ah, mas os daqui não é como os tradicionais. Ao invés de colocarmos mensagens, colocamos versículos bíblicos. Quer algo mais atual e mais verdadeiro do que a bíblia? –Ele sorriu e Tânia também.

     -Então pode nos dar.

Tânia olhou para Rafael que agarrava o biscoito com um certo desespero e o quebrava de forma rápida.

A garota pegou o biscoito nas mãos e o quebrou sem muito interesse. Ela tirou o papel dali e estranhou o que estava escrito arqueando as sobrancelhas:

     -O que está acontecendo aqui?

     -Como assim? –Rafael se fez de desentendido. Tânia abriu a boca para falar, mas nenhum som saia. –Nossa, Tân! Deus falou tão forte assim contigo?

     -No meu não está escrito um versículo, Rafael.

     -E então? O que está escrito?

     -"Você aceita orar comigo?" -Ela ainda olhava para o papel.

     Rafael abriu o maior sorriso que tinha:

     -Aceito.

     -Rafael...! –Ela o olhou abismada começando a juntar os pontos. –Você...?

     -Sim, Tân. Fui eu. –Ele pegou a mão de Tânia que estava em cima da mesa e entrelaçou seus dedos nos dela. –Eu conversei com o Pastor Jorge e os seus tios, eles disseram que se você aceitar, eles apoiam totalmente a nossa união.

     -Eu nem sei o que dizer... –Ela falou olhando para baixo.

     Rafael segurou o queixo da moça e levantou seu rosto para que ele pudesse encarar aqueles olhos enormes:

     -Eu estou disposto, Tân, a fazer isso dar certo. Não quero pensar nas dificuldades, elas sempre vão existir, mas eu quero alguém disposto a lutar contra todas elas e se superar todos os dias.

     -Então isso quer dizer que você gosta de mim? –Ela perguntou como se fosse uma criança de cinco anos e Rafael sorriu, um sorriso que não era preciso nenhuma palavra a mais.

     Um frio surgiu na barriga de Tânia, talvez Deus estivesse completando a boa obra que deveria fazer em sua vida. Por mais que tivesse dúvidas, ela pensou em tudo que havia passado até ali. Rafael era um homem de Deus, seu amigo e era pastor, todo mundo falava que dariam certos... Ela empurrou as dúvidas e sorriu para Rafael de volta.