O seu propósito.

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Os dias foram se passando e logo se tornaram meses. Tânia cada vez mais se sentia cobrada pelas coisas que tinha que fazer. Além da faculdade, suas responsabilidades na igreja aumentaram cada vez mais, e ela precisava ser boa em tudo. Não para mostrar para outras pessoas, mas ela tinha consciência de que quando se cassasse com Rafael, tudo aquilo seria algo de sua rotina.

E por mais que cada vez mais se aproximasse o dia que certamente o noivado dos dois seria liberado, ela não se sentia animada. Todos a sua volta se sentiam tão felizes, mas ela... Ela não sabia o porquê de estar se sentindo daquela maneira. Pensou muitas vezes em ir conversar com a esposa do pastor, mas o que ela falaria? Como explicaria o que estava sentindo se nem ela mesma entendia?

Tânia acabou ignorando todos aqueles sentimentos confusos, afinal, em toda a sua vida ela havia sofrido por esperar o amor de outras pessoas. Lembrava vagamente de sua mãe, dos dias que eram difíceis e que ela apanhava. Lembrava das dificuldades que havia passado, mesmo que Thomas e Daniela fossem boas pessoas, pensou também em sua adolescência, na dor que havia tido naquele aborto espontâneo.

Ela havia se acostumado tanto com a dor que agora que tinha felicidade, estava estranhando.

Era meio de ano, final de semestre e as provas eram tantas que Tânia passava noites em claro para poder estudar, já que durante o dia ela passava muitas vezes a tarde na igreja e de manhã ajudava seu tio no escritório.

E foi uma daquelas noites mal dormidas que mesmo tomando várias xícaras de café, Tânia não conseguia manter os olhos abertos. Ela estava sentada em um dos bancos da igreja, esperando Eleanor decidir para qual bairro ir com as demais garotas quando que pareceu apenas segundos, Tânia cochilou sem querer.

-Tân? Acorda. –Eleanor delicadamente tocou em seu ombro e por mais que houvesse tentado não a assustar, Tânia deu um pulo.

-O que houve?

-Você dormiu. –Helena sorriu.

-Desculpa, é que eu estou com muito sono.

-Ficou acordada novamente? –Eleanor a olhou preocupada.

-Sim, as provas estão me matando.

-Não sei o porquê você se esforça tanto, logo vai ter que trancar a faculdade quando casar com o pastor Rafael. –Helena deu de ombros.

-Eu gosto da faculdade e é bom dar testemunho lá. Não é porque eu vou casar com um pastor eu vou jogar tudo para o alto.

-Sim, você tem razão. –Eleanor concordou, mas ainda permanecia séria. –A faculdade é importante, mas ela não é tão importante quanto a decisão que você vai tomar lá na frente, você sabe disso, não é? Logo mais você terá que trancar a faculdade.

-Sim... –Tânia se sentiu incomodada, mas para disfarçar a situação mudou logo de assunto. –Vamos evangelizar? –Seu telefone vibrou e Tânia leu a mensagem de Rafael pela barra de notificação:

[25/06 11:20] Rafael: O bispo acabou de me ligar para dar o retorno da última entrevista que fizemos.

O coração de Tânia começou a bater mais forte. Naqueles meses ambos haviam feito tantas entrevistas, será que agora o noivado dos dois seria liberado?

[25/06 11:21] Rafael: Quando você puder, me liga, para nós conversamos melhor.

Depois da evangelização por mais ansiosa que estivesse para lugar para Rafael, Tânia estava com medo, então fez de tudo para enrolar na igreja, até que não tinha mais nada para fazer e ela foi para casa. Quando chegou, ainda teve que esperar Rafael voltar de algumas visitas que estava fazendo para os membros da igreja e quando finalmente eles tiveram o tempo para conversar, Tânia não ficou tão surpresa por saber que seu noivado havia sido liberado.

Pelo contrário, ela ficou com medo. Não falou nada para Rafael que estava animado com a notícia, mas dentro dela, a garota se sentia ainda mais confusa.

Se ela estava fazendo as coisas para Deus, por que estava se sentindo daquela forma? Ela não estava pecando, não estava fazendo nada que O desagradasse, pelo contrário, sabia que ao sacrificar a sua vida em favor da obra de Deus era o que Ele mais queria. Eram poucas pessoas que aceitavam fazer aquele sacrifício, e a obra de Deus não podia parar, eram muitas pessoas que ainda não conheciam o evangelho.

-Rafa... –Ela o cortou em meio ao assunto sobre uma senhora que ele falava.

-Oi, Tân? –A garota ficou em silêncio. -Você queria falar alguma coisa?

-Não, não é nada...

-Não parece ser nada, sua voz está baixa...

-Como você se sentiu quando deixou a faculdade de medicina?

-Eu já estava na metade do curso, mas quando aconteceu aquelas coisas na Argentina, eu não consegui mais continuar fazendo a faculdade, por mais eu fosse algo que eu almejava desde criança, por ter visto a minha mãe precisando de mim... Não adiantava eu curar as pessoas fisicamente, se o interior delas estava destruído. Eu me senti incomodado, então quando eu tranquei a faculdade, por mais difícil que fosse, porque querendo ou não, por mais que você esteja indo fazer a vontade de Deus, você está sacrificando a sua, e quando a gente rejeita a nossa vontade, a carne dói, grita e geme, mas toda essa dor não é nada comparada ao prazer de saber que você está fazendo a coisa certa. Eu poderia ter continuado na faculdade, ter ignorado aquele sentimento, mas de alguma forma Deus fala com você qual o proposito que Ele tem para a sua vida. Não é porque as pessoas disseram, mas é a certeza e a paz na minha consciência de fazer a coisa certa. Entendeu?

Tânia concordou com a cabeça pensativa, mas se lembrou que Rafael não podia vê-la:

-Sim. –E respirou fundo tentando organizar seus pensamentos.

Feita de DorWhere stories live. Discover now