Capítulo 5

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TRÊS ANOS ANTES DO FIM

A ÚNICA COISA em que Aguinaldo conseguia pensar durante o resto do dia era nas palavras de Emê de Martnália.

— "Talvez eu comece a gostar de você."

Era como estar preso em um gaiola e ser libertado, para então ser preso em uma jaula. Ele se sentia livre dos sentimentos ruins da rejeição, mas ainda estava preso na ideia do talvez. Talvez ela começasse a gostar dele, provavelmente não.

Por estar tão distraído em pensamentos como esse enquanto empurrava o carrinho de compras do supermercado, não viu que uma senhorinha de idade estava logo em sua frente.

— AGUINALDO!

Parou imediatamente o carrinho, antes que atingisse a pobre coitada.

— Presta atenção, seu idiota! Se não eu acabo com você! — A senhorinha ameaçou e até levantou o braço, com o punho fechado, pra brigar com ele. Ficou assim por alguns instantes e depois virou de costas e foi embora.

Aguinaldo pediu desculpas diversas vezes, mas achava que ela não tinha escutado, pois continuou reclamando até ser perdida de vista.

— Filho, você tá bem? — Juvenal surgiu atrás e colocou um saco com cenouras no carrinho.

— Sim... eu tô bem. — Aguinaldo suspirou e levou a mão até a nuca.

— Tem certeza? Você tá meio distraído.

Eles se entreolharam por alguns segundos e Aguinaldo preferiu pensar um pouco antes de responder. Sabia que seu pai não insistiria no assunto se ele realmente não quisesse contar, mas não via motivos para não o fazer. E já que iria falar, preferia que fosse de uma maneira que ele não parecesse tão bobo.

Então se lembrou que tinha combinado, ou sido praticamente forçado a combinar, de assistir um show do Abba em sua casa com Elcione e Emê de Martnália. O mais engraçado é que haviam se passado décadas desde o último show do Abba. Se ele tinha o show gravado? Claro que não! Seria um desastre! Aguinaldo tinha certeza de que a única coisa boa sobre isso tudo é que Beltassamo não ia. Até porque com Elcione junto, ele provavelmente só passaria vergonha na frente de Martnália.

— Sobre isso... — coçou a nuca, tentando escolher as melhores palavras possíveis — acho que estou meio ansioso com uma coisa.

— O quê? — Juvenal perguntou enquanto espremia os olhos para tentar ler a data de validade de um iogurte.

— Chamei alguns amigos para assistir um show gravado lá em casa.

Juvenal levantou o rosto e ficou alguns segundos sem reação. Aquilo era estranho... muito estranho. Aguinaldo nunca chamava ninguém para sua casa, e Juvenal até duvidava de que o filho tinha amigos.

— Que foi? — Aguinaldo percebeu que tinha algo de errado com o olhar de seu pai.

— Que amigos Aguinaldo? — Juvenal arqueou a sobrancelha.

— Ué pai, meus amigos poxa... — Na verdade, Aguinaldo considerava apenas Beltassamo como seu amigo, Elcione era apenas um peso morto e Emê de Martnália alguém inalcançável.

— Eu só tô perguntando porque o único amigo de quem você vive falando é o Beltassamo, ninguém mais. — Juvenal não queria demonstrar que estava duvidando da capacidade de seu filho de fazer amizades, mas estava sim.

Desde que a mãe havia ido embora, Aguinaldo se fechou completamente para outras pessoas. Beltassamo foi o único insistente o suficiente que não se afastou na época, já que se conheciam desde o jardim de infância.

Todos Nós Que Estamos VivosWhere stories live. Discover now