Capítulo 10

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A CIDADE com vida própria não facilitaria para os alunos do primeiro ano do ensino médio do colégio passo a passo, nem em seu último dia de aula naquele ano. Dito isso, o sol estava de rachar e o intervalo parecia não ter fim. O diretor tinha se esquecido de avisar aos alunos que teria uma reunião com os professores e que eles teriam mais tempo para socializar e comer naquele dia. E por incrível que pareça, muitos queriam voltar para a sala de aula, onde pelo menos havia dois ventiladores e eles poderiam se refrescar.

Mas Aguinaldo não percebeu os minutos a mais no intervalo, pois seus neurônios estavam ocupados com outra coisa. Por exemplo, como fazer para que Emê de Martnália não se apaixonasse por outra pessoa. Ele sabia que o caminho mais simples seria fazer com que ela se apaixonasse por ele, mas de simples isso não tinha nada, já que Aguinaldo não conseguia nem conceber a ideia de Emê sentir o mesmo que ele.

Do outro lado da mesa, Beltassamo tomava seu suco se sentindo o maior sucesso por ter implantado a dúvida na mente de Aguinaldo. Dava para notar o desespero em cada poro aberto do rosto dele, e olhe que eram muitos.

O momento de silêncio durou até que Elcione se aproximou, como sempre rindo, e se sentou ao lado de Beltassamo. De início, não falou nada e muito menos percebeu o que acontecia entre os dois. Mas depois reparou que Beltassamo tinha um sorrisinho travesso em seus lábios e que Aguinaldo estava atordoado.

— O que você fez pra ele? — Olhou para Beltassamo com toda a desconfiança que podia demonstrar com os olhos.

Já fazia algum tempo, mas ela vinha reparando e escutando certas coisas sobre Beltassamo, e já estava chegando a hora de colocar as cartas sobre a mesa e mostrar que ela não era tão sonsa como todo mundo pensava que era. Ela o considerava seu amigo, mas ele já estava passando dos limites.

— Eu? — Ele riu. — Eu não fiz nada.

Isso não convenceu Elcione, até porque Aguinaldo ainda não tinha revirado os olhos desde os poucos segundos que ela estava sentada ali, e isso era muito estranho. No mínimo, Beltassamo tinha feito alguma maldade de novo.

Mas precisamos entender que o cérebro de Elcione só conseguia focar em uma coisa de cada vez, e por mais que se importasse muito com Aguinaldo, se importava mais consigo mesma. Por isso, ela logo deixou esse assunto para lá e já começou a pensar em outra coisa: como falar para Beltassamo que sabia sobre as mentiras que ele estava espalhando sobre eles dois.

— Falando nisso... — ela coçou a garganta. — Uma galerinha veio comentar comigo que você andou espalhando pra todo mundo que estamos namorando.

Beltassamo se virou para ela e bateu uma palma que assustou até mesmo Aguinaldo que ainda estava perdido em seus pensamentos.

— Tá vendo! — Se virou para Aguinaldo. — As pessoas comentam sobre essas coisas, não sei como você não ficou sabendo que eu tinha dito que estávamos namorando.

— Foi você quem espalhou o boato de que o Aguinaldo era gay? — Elcione perguntou chocada.

— Eu não espalhei o boato, só contei uma mentirinha de nada e o Aguinaldo só foi descobrir depois de se declarar pra Emê de Martnália e ser rejeitado porque ela achava que ele era gay. — Beltassamo começou a gargalhar. — Você acredita? Tão burro...

Os outros dois ficaram em silêncio, e ele só foi parar de rir quando se deu conta de que ninguém mais estava achando graça. Olhou para Aguinaldo e se lembrou que quase tinha sido enforcado alguns meses antes, viu novamente a morte nos olhos do amigo e pensou que pelo menos tinha tido uma boa vida. Muitas pessoas gostavam dele, suas irmãs diziam que ele era o melhor irmão do mundo e seu pai estava largando o alcoolismo. Não precisava de mais nada, já tinha vivido o bastante.

Todos Nós Que Estamos VivosWhere stories live. Discover now