Capítulo 22

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O bar dos avós de Elcione se chamava "o bar de Jesus" por causa do sobrenome da família. Não tinha realmente nada a ver com o personagem bíblico Jesus, primeiro porque ele jamais frequentaria um bar, e segundo porque as pessoas da cidade de Fotocópolis não eram religiosas.

Mas aquele bar era o mais próximo do que conhecemos como restaurante da cidade inteira. Era um local limpo e arejado, tinha um cardápio agradável e era administrado por dois idosos muito alegres e gentis com os clientes.

Na noite em que esse capítulo se passa, já era por volta das 22h, e os únicos clientes restantes além de Elcione e seus outros três amigos eram quatro ou cinco outras pessoas distintas. Aguinaldo gostava bastante de momentos como aquele, quando o bar era praticamente apenas dele e de seus amigos. A brisa entrava pelas janelas e os fazia sentir uma liberdade momentânea.

Emê de Matnália tinha combinado com Aguinaldo que naquela noite mesmo contariam para seus amigos sobre seu relacionamento. Já tinham se passado quase um mês que estavam juntos e não era de se surpreender que ninguém tivesse notado a mudança porque ambos ainda estavam tímidos com o assunto. Não tinham nenhuma pressa na vida, também não tinham necessidade de receber algum tipo de reconhecimento alheio. Mesmo assim, sabiam que não ganhavam nada se escondendo dos outros.

Considerando tudo isso, e cansada de esperar uma atitude de seu suposto namorado, Emê simplesmente soltou a informação na mesa enquanto os quatro jogavam:

— Eu e Aguinaldo estamos namorando — ela afirmou enquanto organizava o molho de cartas em suas mãos. Não ousou levantar os olhos e sua fala foi recebida em completo silêncio.

A única pessoa que quase infartou foi Aguinaldo que estava nervoso demais para dizer essas palavras em voz alta.

— Eu e Elcione também estamos — Beltassamo falou e soltou uma risadinha se sentindo muito brincalhão e logo sentiu um chute em sua perna que estava debaixo da mesa.

— Já falei pra você parar de falar essas coisas pras pessoas... — Elcione o repreendeu e bufou. — Mania idiota.

— Não, é que... — Beltassamo riu um pouco mais — Eu só quis dizer algo com a mesma proporção de acontecer. Porque esses dois estarem namorando tem a mesma proporção de nós dois também estarmos. Entendeu?

Beltassamo continuou rindo e baixou uma trinca de cartas número cinco para a mesa, e isso foi comemorado por Elcione que tinha muitas cartas iguais para descartar e não teve oportunidade antes.

— Isso não teve a menor graça, Beltassamo... — Aguinaldo comentou mesmo com todo o seu nervosismo borbulhando em suas entranhas.

— Eu falei sério... — Emê baixou outra trinca de cartas e falou em um tom calmo: — Não tenho motivos para brincar com essas coisas.

Novamente os outros três ficaram em silêncio. Aguinaldo estava ansioso demais com o rumo dessa conversa, Beltassamo tentava girar as engrenagens em seu cérebro para tentar se lembrar de alguma evidência de que Martnália realmente não estava brincando, e Elcione... Bem, Elcione não estava pensando em nada. Sua mente estava em branco.

— Peraí... Você tá querendo me dizer que está namorando com o Aguinaldo? Tipo, de verdade? — Beltassamo perguntou. Milhões de dúvidas circundavam seus pensamentos.

— Sim, foi exatamente o que eu disse Beltassamo — Martnália respondeu com os resquícios de paciência que ainda lhe restavam.

— Desde quando? — Beltassamo largou as cartas em cima da mesa e perguntou com a voz esganiçada.

— Umas quatro semanas, mais ou menos...

— Um mês inteiro?

— Isso aí!

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