Capítulo 19

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Apesar de esse ser o seu primeiro beijo, apesar de ser com a garota dos seus sonhos, apesar de sentir ela tão perto e que o aspecto de seus lábios juntos fosse tão perfeito, como ele imaginou que seria, apesar de toda a euforia, de que quase todo o seu cérebro tinha entrado em estado de gelatina de morango, seu sabor favorito, apesar de tudo isso... Aguinaldo tomou o partido de se afastar. Pois se deu conta que, por mais que quisesse aquele beijo mais do que qualquer outra coisa, não queria que fosse daquela forma: com Emê de Martnália praticamente chorando.

— O que foi? Você não gostou? — Ela perguntou com uma voz trêmula.

O garoto simplesmente voltou a segurar o rosto dela entre suas mãos e abriu um leve sorriso, como se pudesse dizer sem usar palavras que estava tudo bem.

— Seus olhos estão vermelhos e você não parece estar bem, o que aconteceu?

Acontece que, no quesito gentileza, quando se tratava de alguém querido, Aguinaldo era o melhor, sem nem perceber. Isso fez Emê estremecer, pois como poderia aquele garoto usar exatamente o tom de voz e as palavras mais carinhosas do jeito certo?

— Eu precisava de você.

Aguinaldo quase teve seu milésimo infarto com as palavras de Emê de Martnália. Poder ouvir isso da pessoa que fazia seu coração quase parar era como estar no paraíso, tirando o fato de que ela estava triste.

— Isso, continua falando assim que eu ainda vou morrer de infarto — ele resmungou enquanto colocava uma mão no peito e ela riu um pouco com a cena.

Ele a puxou pelo braço e juntos entraram na casa. Se sentaram no sofá, lado a lado, e Emê suspirou. A casa de Aguinaldo era silenciosa, mas ela sabia que não estavam sozinhos, o pai dele provavelmente estava lá também. Mas mesmo assim, estava muito mais calma ali do que em sua casa com aquelas pessoas.

— Então, consegue me contar o que aconteceu? — Aguinaldo segurou uma das mãos frias dela e Emê amou sentir o quanto a dele estava quentinha.

— Você não quer conversar sobre o beijo? — Ela brincou.

Apesar de ainda sentir o coração acelerado de nervosismo, mais pelo que tinha acontecido em sua casa do que por estar perto do garoto, Martnália se sentia acolhida e confortável naquele ambiente. Tudo o que ela queria era esquecer o que tinha acontecido.

— Claro que eu quero, mas primeiro preciso saber por que você está assim.

Na verdade, Aguinaldo estava com medo de falar sobre o beijo. Porque ele conhecia inúmeras formas de passar vergonha com esse assunto em questão. Conversar sobre os possíveis problemas de Emê de Martnália era muito menos assustador.

— Tá bom — Martnália concordou e riu um pouco antes de respirar fundo. O beijo seria um assunto menos desconfortável para ela.

Entretanto, Emê sabia que Aguinaldo merecia uma explicação para ela ter aparecido na casa dele e ter se jogado em cima dele de forma tão abrupta.

— São os meus pais, eles me odeiam — contou bruscamente, sem se importar se iria assustá-lo, o que, obviamente, aconteceu.

— Seus pais, o quê? — Aguinaldo arregalou os olhos.

— Me odeiam.

— Como assim te odeiam? Que tipo de pais odeiam suas filhas? — Ele estava chocado demais para reparar no quão idiotas eram suas perguntas.

— Os meus.

Aguinaldo fechou a boca e observou bem a feição de Emê, ela não estava brincando. Para ele, que recebia tanto amor de um lado e não tinha contato com o outro, o conceito de ódio na família era desconhecido. Ele imaginou algo como Emê sendo espancada enquanto seus pais riam, ou passando fome, ou sofrendo com constantes humilhações. Isso era ódio na família na percepção dele.

Todos Nós Que Estamos VivosWhere stories live. Discover now