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Medelin

Os olhinhos inchados e fechados no rosto de quem eu me encontro todos os dias estavam diante da minha blusa preta que eu vesti correndo só pra vim ver ela. A dor que eu tô sentindo não chega nem perto da que ela tá sentindo e disso eu tenho certeza.

Mãe é mãe!

A barriga dela tava bastante inchada e a impressão era que a Ísis ainda tava ali e as vezes ainda me dava esperança, mas aí eu olhava pra onde estávamos e a realidade batia na minha porta.

Ela só conseguia dormir de novo depois que eu prometi que não ia sair de perto dela. Pediu perdão milhões de vezes, mas eu sei que quem devia pedir isso sou eu.

Se tem um culpado pra morte de duas pessoas muito importantes pra ela, esse alguém sou eu!

Nem coragem pra olhar na cara da minha sogra eu tive, porque eu sei que se algo acontecesse com a Manuela por culpa de alguém, o único sentimento que eu estaria sentindo agora seria de ódio.

Quando eu cheguei vi ela bem rápido e corri pra ver a Manu porque disseram que ela tinha desmaiado, mas eu também sei que vou ter que ter coragem pra enfrentar as consequências dos meus atos.

Olhei pra janela que tinha ali do lado da cama e a chuva caia lá fora. Cada gota que escorria pela janela, também escorria pelos meus olhos. A pior dor é a que eu tô sentindo agora, a dor de perda, a dor de perder um filho.

Nada pra mim tá compensando mais, é sufocante perder tudo que você tem pra dar algo bom pros outros. E sempre foi assim! Me doei total pra aquela favela, pro povo de lá. Abri mão da Manu no início do nosso lance pra nada respingar nela, e agora perdi minha filha por proteção pros moradores de lá.

Eu amava essa vida, amava mesmo, mas de um tempo pra cá não faz mais sentido mais! Pra mim o sentido tava aqui onde eu estou agora, eu, ela e nossa filha. Mas nem isso eu tenho mais.

Tô cansado, esgotado psicologicamente, tô cansado de corpo e alma. Minha vida tá revirada e ainda revirei a vida da pessoa que eu mais amo nessa vida.

Vi a movimentação do lado de fora do quarto e pelo vidro da porta eu vi minha sogra. Levantei da cama com cuidado pra não acordar a minha princesa e sai de dentro do quarto tomando coragem pra falar com ela.

Medelin: Dona Flora?- chamei quando sai do quarto e ela olhou pra trás me mostrando o rosto inchado e os olhos vermelhos.- Posso falar com a senhora?- perguntei com receio e ela balançou a cabeça.

Flora: Claro, meu filho!- deu um meio sorriso e eu vi a filha dela todinha ali.- senta aqui.

Eu me sentei do lado dela naquele corredor e suspirei buscando palavras pra dizer o que eu tava sentindo.

Medelin: Queria começar dizendo que eu sinto muito!- olhei pra ela.- Sinto muito pela perda do seu marido, que era um homem bom, um marido bom, um pai bom, e que não merecia o que aconteceu por atos de um cara como eu.- ela continuou me olhando mas agora com os olhos repleto de dor.- Eu vou entender se a senhora não querer mais olhar na minha cara, ou se quiser me culpar pelo o que aconteceu, assim como eu tô me culpando. Mas eu também quero te pedir perdão por tudo isso.

Ela não falou nada, apenas limpou a lágrima que insistiu em cair e em seguida se agachou na minha frente e me abraçou forte. Um abraço de mãe, tá ligado? E eu desabei ali, chorei como chorei quando soube que tinha perdido minha filha e chorei quando pensei que o pior tinha acontecido com a minha mulher.

Flora: Você não tem que pedir perdão por nada, Caio!- disse ainda abraçada em mim.- Eu sei a dor que você está sentindo, por que é a mesma que eu estou sentindo! Eu perdi meu marido e você perdeu a sua filha, assim como eu também perdi a minha neta.- Acariciou minhas costas tentando me acalmar.- Descansa, Caio, acalma seu coração porque vai vim muita coisa boa pela frente.

Medelin: Me desculpa mesmo assim!- insisti por que a dor não parava.- Por favor, dona flora.

Flora: Eu não tenho que te desculpar por nada, por que eu não sinto isso como sua culpa!- se afastou e limpou meu rosto.- Mas se isso vai te fazer sentir melhor, eu te perdoo!- deu um meio sorriso.- Só cuida da minha filha, Caio, ela não merece nada disso.

Medelin: Obrigado por isso!- agradeci mais calmo.- Eu vou cuidar dela, não quero mais isso!

Flora: Sua mãe e as meninas estão lá fora!- falou olhando pro fim do corredor.- Virgínia só foi liberada agora, teve uma crise forte e teve que ser medicada.

Medelin: Quando a Manu acordar eu peço pra chamarem elas.- nós levantamos e eu dei um beijo na testa dela.- Vou voltar pra lá, prometi que não ia sair de perto dela.

Flora: Pode ir, fica em paz!- me olhou e foi pra recepção.

Abri a porta do quarto e observei minha narizinho dormindo de lado, meu olhar desceu pra sua barriga e no mesmo instante ela passou a mão por ali e pousou a mesma.

Os dias a partir dali não seriam fáceis, mas eu faria de tudo pra ela não sentir tanto.

Até mais.Where stories live. Discover now