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Medelin

Seguro o guarda chuva encima de mim e da Manuela enquanto ela tem uma mão na boca e outra na barriga. O vestido preto que eu comprei pra ela usar na saída maternidade marcava a barriga pós parto, mas o que mais doía era a data.

08 de Maio de 2022. Segundo domingo de Maio, dia das mães.

Os dois caixões na nossa frente, um maior e um menor. Eu não consegui chegar perto do da minha filha, mas de longe dava pra ver o cabelinho preto pelo vidro que tampava o rostinho dela.

Manuela chorava com dor interna por vocês duas pessoas que ela amava demais terem ido embora. Eu sabia o quanto ela tava quebrada e também sabia como eu ia ter que ser forte nesse momento pra sustentar ela.

Se tem uma parada que nunca tinha se passado pela minha cabeça, era essa situação aqui. Tá enterrando minha filha, sem ao menos ter conhecido ela. A Ísis era esperada demais por todos, e por mim mais ainda, mas eu sinto que eu errei com ela em algum momento.

E eu tô me culpando pra caralho nessa situação, porque eu sinto que deixei elas de lado por uma pessoa que não acrescenta em nada na minha vida, fez parte da minha infância mas ficou só nisso.

Eu não sou menino pra tirar meu corpo fora dos meus atos, e se tem um culpado nessa questão de afastamento, o culpado sou eu.

Sinto os braços envolvendo minha cintura e o meu peito sendo molhado por cima da camisa pelas lágrimas da minha mulher. Solto o guarda chuva pra sentir mais o contato com ela e a chuva nos molha tirando uma carga gigantesca de nós dois.

Amanda vem correndo pra pegar o guarda chuva e tenta explicar que ela não pode se molhar, mas o choro estridente da minha mulher impede ela de chegar mais perto e eu fico ali com ela sem me importar com nada.

Manuela: Tá doendo, tá doendo muito amor! Faz parar de doer por favor, faz parar.- grita tendo o som ocultado pelo meu peito e ali eu choro porque a única coisa que eu queria era passar toda dor que ela tá sentindo pra mim.- Tá doendo aqui dentro, eu não tô aguentando.

Medelin: Amor, eu tô aqui, pode chorar, eu não vou sair daqui!- aperto ela com um certo medo dos pontos da cesária e ela chora mais alto.- Eu sei que tá doendo minha princesa, e eu sei que vai doer todos os dias. Mas você precisa ser forte agora pra gente dar a volta por cima.

Falava aquilo tanto pra ela quanto pra mim. A dor da perda e da saudade de quem já se foi é a pior que pode se sentir e isso não tem como discutir.

Manuela: Porque isso tá acontecendo comigo?- levantou a cabeça me olhando um pouco mais calma enquanto as lágrimas ainda desciam.- Por que Deus tá fazendo isso comigo?

Medelin: A vida é assim meu amor, feita de várias emoções, uma hora a gente vai ser feliz e outras a gente vai sofrer.- falo aquilo com uma dor vendo ela escutar tudo soluçando.

Manuela: Mas se viver é sofrer, eu não quero mais viver!- diz encolhendo os olhos com o choro retornando e aí é o motivo da pulga atrás da minha orelha pro resto dos nosso dias daqui pra frente

Olho pra todo mundo em minha volta tentando achar uma solução mas nada tinha resposta pro que ela tinha me falado agora. Eu abracei ela chorando com um medo gigante dentro do meu peito e escutei o cara falando que tinha só mais cinco minutos.

E aí veio a pior parte. Ela se desesperou.

Manuela: Não, por favor, não, não tira minha filha de mim.- me soltou e correu em direção ao caixão e parece que nesse momento ela percebeu que não tinha como ver o pai dela pela última vez porque o caixão tava fechado.- Pai- gritou com toda força do mundo olhando pro céu enquanto chorando demais.- Me perdoa pai, era pra ser eu no seu lugar.- abraçou a caixa de madeira com força e chorou.

Virgínia: Amiga, por favor se acalma!- pediu com receio chorando também.- Sei que não devia tá pedindo isso, mas seus pontos podem inflamar.- Tava todo mundo ali e nessas horas a gente sabe quem é quem.

Amanda abraçada com Vuk, guará inquieto a todo momento vindo ver se eu tô tranquilo e Virgínia a toda disposição possível pra gente aqui. Minha mãe acalentando dona Flora e alguns dos meus soldados até oraram na entrada do cemitério.

Manuela: Amiga, por que ele tá fazendo isso comigo?- perguntou olhando pra ela que não sabia mais o que fazer.- Por que Deus tá me fazendo passar por isso tudo?

Virginia abraçou ela com todo cuidado e afeto saindo de frente do caixão da minha filha me fazendo guiar os olhos direto pro vidro e ver o rostinho dela.

Meu mundo acabou irmão, toda força que eu tava tendo acabou ali. Senti o abraço do meu amigo ali e chorei tudo que eu tava guardando por tentar ser forte pela Manu.

Guará: Pode chorar irmão, descarrega disso tudo!- e assim eu fiz.- Vai vim muita coisa boa pra você ainda, tu vai ver! Deus vai honrar, ele nunca dá uma cruz que você não possa carregar. Vocês são fortes pra caralho e já passaram por muita coisa e essa é mais uma que vocês vão vencer.

Fiquei ali alguns minutos até chamarem pra enterrarem. Foi tudo muito doído, sabia que tudo isso ia passar.

(...)

Até mais.Where stories live. Discover now