CINCO

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Danna: Quando os Pássaros Pousam

Condado de Tulare, Califórnia

Uma semana havia se passado desde que o doutor fora hasteado e deixado para morrer no meio do milharal, já era hora de recolher os seus restos e providenciar o enterro, afinal, não era interessante que seu cadáver fosse encontrado.

Assim, ele caminhou lentamente entre as estreitas trilhas feitas em meio a plantação, feitas exatamente para que se pudesse ter melhor visão da mesma. Os pés de milho já estavam altos e repletos de espigas, logo iniciaria a colheita e aquelas terras ficariam repletas de homens para colhê-las.

Vez ou outra, levava as mãos aos olhos para se proteger das folhas que balançavam com o vento, afastando-as de sua face. As mãos vinham sujas de terra, pois acabara de terminar de escavar uma cova a uns dois quilômetros dali.

Conforme caminhava, em seus pensamentos vinham as lembranças de quando precisou arrastar o homem inconsciente e ainda vivo, o que foi muito trabalhoso, já que apesar do infeliz possuir estatura mediana, seu corpo era bastante robusto, achara-o demasiado gordo para um médico. Não que não houvessem muitos doutores acima do peso, mas o fato não deixava de ser curioso, além de ser contraditório. Onde está o exemplo daquele que irá cuidar da sua saúde? — pensava ele.

Finalmente já avistava há poucos metros dali o corpo débil hasteado, tal qual um espantalho. Como ele adorava aquela cena, que consistia simplesmente na arte de transformar uma massa inútil em algo útil, apesar de que toda aquela carne em putrefação acabava por atrair ainda mais pássaros, ao invés de espantá-los, mas não tinha problema, já que as aves aceleravam o processo tão ansiado, transformando aquela massa pesada em restos mais leves.

Lembrou das reclamações do homem ao ter que caminhar debaixo do sol naquele dia, sorriu ao imaginar que o infeliz ignorava o triste destino que o aguardava. Ainda bem que o doutor foi caminhando, ou ele teria que fazê-lo perder muito peso, para só depois transportá-lo.

Ele parou com uma das mãos na testa, fazendo uma pequena sombra para proteger os olhos, enquanto contemplava a figura horrenda e desfigurada do que fora um importante cirurgião de Sacramento, um triste fim para tão boa reputação.

Minutos depois, lentamente desamarrou as cordas que mantinham o espantalho cadavérico suspenso, e cautelosamente o abaixou. A cautela era necessária, já que como o homem poderia ter morrido há dias, sua massa corpórea em decomposição poderia se espatifar sobre ele, já passara por aquilo e não foi nenhum pouco agradável.

Agora o infeliz espantalho estava à sua frente, apesar dos ferimentos, o corpo estava bastante conservado, e apesar do fedor da sua carne, era visível que o processo de decomposição não iniciara. O pobre homem emagrecera bastante, agora podia ser facilmente carregado, então ele soltou as amarras das pernas e em seguida dos braços, o corpo cadavérico caiu, fazendo rolar na terra o chapéu de palha, enquanto inacreditavelmente, o espantalho emitiu um gemido oco.

O desgraçado ainda estava vivo, embora quase morto.

Seu agressor se abaixou e estapeou aquele rosto marcado, obrigando-o a gemer mais uma vez. Sorriu admirado, nunca nenhuma de suas vítimas aguentara tanto tempo, a sede, a fome, a insolação...

Mas chovera consideravelmente, o que garantiu ao pobre homem uma temperatura amena e a ingestão de líquido, quanto a comida, deduziu que o corpo outrora robusto fez a diferença, afinal, fosse massa ou gordura, havia muito para queimar.

Levantou-se indeciso, não esperava encontrar aquele homem ainda vivo. Pensou em hasteá-lo novamente, mas para quê? Para ter que recolher o cadáver daqui três ou dois dias? Ou quem sabe amanhã?

Não, não compensava aquele trabalho, já o tirara da estaca, já escavara a sua cova, agora tinha que enterrar.

Sem nenhum cuidado, ergueu o espantalho vivo do chão, a veste consistia em apenas sacos de estopas remendados e extremamente largos. Em outra ocasião, usaria esse mesmo traje para fazer uma trouxa envolvendo o cadáver, mas eles já estavam em estado de decomposição, enquanto esse homem não.

Jogou-o nas costas segurando-o pelas pernas e caminhou mais rápido do que o habitual, pois agora tinha pressa, precisava acabar de uma vez com aquela situação.

Chegou à cova, não era rasa, era até que bastante funda, visto que não podia correr o risco do corpo ser descoberto quando fosse necessário arar aquelas terras, o que era feito manualmente.

Sem pensar, lançou o homem no buraco, encarou-o por alguns segundos enquanto o mesmo abria os olhos devagar. O espantalho estava fraco e cansado, mas a consciência ainda não lhe faltava, seu agressor sabia disso, reconhecia naquele olhar uma súplica por misericórdia.

Mas não havia misericórdia naquela região do Condado, então ele sorriu retribuindo àquele olhar moribundo, um olhar sem qualquer emoção, onde se via apenas escuridão.

O pobre espantalho já sabia o que ia acontecer, ele só não sabia uma coisa:

— P-por q-quê? — Foi tudo que conseguiu dizer.

A resposta veio em forma de assovio, ao mesmo tempo em que uma grandeporção de terra caía sobre a face do cirurgião.

Quando os Pássaros Pousam e Outros Contos PsicopáticosWhere stories live. Discover now