DEZESSETE

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Danna: Quando os Pássaros Pousam

Condado de Tulare, Califórnia

"Eu a encontrei... Estava tão... tão faminta e... suja! Nem parecia ser minha patroinha, dona Heloisa!" — A voz de Charles soava nítida, apesar da embriaguez.

"Quem não lembra de dona Heloisa? Ela era tão linda e... tão viva! Mas de repente a encontrei maltrapilha... Eu peguei dona Heloisa no colo e levei a coitada para a casa grande, deixei ela na cama do patrão... Ele chorava tanto naquele dia, estava tão triste e envergonhado... Até já tinha ouvido boatos sobre a fuga de dona Heloisa com o... Desculpe, o senhor sabe!"

"Naquele dia fui pra minha casa contente, com a certeza de que tinha salvado a vida de dona Heloisa... Mas eu não sabia ao certo... A salvei de quê? Há um tempo me pego pensando no que a deixou naquele estado... O que deu errado ao tentar fugir?" — Charles pigarreou.

"Bem, acabou que ela fugiu no outro dia... E eu não sei como ela conseguiu... Como é que dona Heloisa, fraca como estava, podia ter fugido? O senhor Craig disse que alguém a levou, mas... haviam muitos homens trabalhando e nenhum trairia o patrão, deixando que levassem sua senhora!"

O xerife se ajeitou na cadeira, cada vez mais interessado no desenrolar daquela história.

"O senhor Craig estava tão mal, tão abatido! Ele me fez prometer que jamais contaria que a vi no dia anterior e ainda mais sobre o estado em que estava. Ele estava envergonhado, porque o que dona Heloisa fez ao marido foi uma grande humilhação... Tive muita pena, tudo ia tão mal na vida do coitado... O senhor sabe... Aquele acidente tirou dele o movimento das pernas e a vida do seu menino, e depois... ela se foi, deixando o patrão sozinho naquela cadeira de rodas."

O xerife ouvia com uma expressão de incredulidade, suspeitando do rumo que aquele "depoimento" poderia tomar. Há muito desistira de descobrir com quem Charles conversava, pois notara que a gravação foi propositalmente editada, embora estivesse claro que o falecido estava a desabafar com um homem.

Nos minutos seguintes, Charles narrou com mais detalhes o dia em que encontrara Heloisa e o dia em que ela novamente fugira, de forma repetitiva, ficava claro ao xerife seu avançado estado de embriaguez, que começara a perder o interesse, deduzindo que toda gravação se resumiria àquilo.

"... penso que... só espero que ela esteja feliz onde estiver e que... pobre Antonella" — disse com a voz embargada pelo choro. "Ela não merecia o que fizeram com ela! Às vezes, quando fecho os olhos, eu vejo... nunca vou esquecer! E-ela não queria que eu a levasse para casa grande... Não sou louco! Senti que ela não queria, ela tinha... medo! Do que Antonella tinha medo? Eu não consigo entender..."

"Dona Heloisa estava no milharal, a senhorita Antonella também... estou sendo leviano, não estou?" — perguntou desesperado. "Não, não posso controlar meus pensamentos, são tão horríveis! Não tenho coragem de ir à casa grande, tenho evitado encarar o patrão... Não, não... eu só tenho medo que ele perceba que tipo de pensamentos tenho... Vou queimar no inferno por difamar um aleijado, um coitado que não tem ninguém pra olhar por ele!" — declarou num riso nervoso, enquanto o xerife ouvia tudo, aturdido, se recusando a acreditar no que aquelas palavras podiam significar.

O xerife logo deduziu que Charles, no ato daquele desabafo, deveria estar em choque pelos últimos acontecimentos, pois não via outra explicação.
Agora, tinha ainda mais curiosidade em descobrir quem fizera aquela gravação, quem conduzira aquela conversa e a enviara. A intenção de quem o fez estava muito clara, certamente acreditava que o fazendeiro Craig tinha alguma relação com a morte de Antonella, possivelmente com a de Charles e ainda com o sumiço de Heloisa, questionando a veracidade do que acontecera mais de dez anos atrás.

Quando os Pássaros Pousam e Outros Contos PsicopáticosWhere stories live. Discover now