Epílogo

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Sentia-se fraca. Seu corpo inteiro reclamava pelo demasiado esforço que fazia. Suas pernas ameaçavam cair, e suas mãos tremiam. Sua respiração era pesada e ela tinha lágrimas contidas nos cantos dos olhos. Engoliu em seco, e o simples gesto fez com que se sentisse pior ainda. Cada movimento seu era uma tortura. Ela não podia mais confiar em seu próprio corpo. Ele sucumbira a doença e não havia nada a fazer.

Obrigou-se a dar um último passo com todas as forças que lhe restavam, e alcançou a penteadeira. Cambaleando, conseguiu sentar-se na cadeira de madeira em frente a ela. Levou um tempo parada, apenas recuperando um pouco da força que tinha lhe custado aqueles poucos passos através de seu quarto.

Encontrou seu próprio rosto no espelho. E sentiu pena de si mesma. A face que lhe encarava de volta era apenas uma sombra do que havia sido um dia. Seu cabelo loiro perdera o brilho e os cachos naturais que sempre foram seu orgulho. Estava branca demais, esquálida. Os ossos de seu rosto saltavam em evidência devido à sua magreza. Era difícil segurar as lágrimas olhando para tão deplorável imagem.

Desviou os olhos, concentrando-se em seu objetivo. Abriu uma das gavetas lentamente. Lá dentro estavam delicados pares de luvas dos mais variados tecidos e cores. Tocou-as, lembrando-se do tempo que era feliz. Do tempo que não voltaria mais. Sabia que sua vida estava se apagando pouco a pouco e que seus dias estavam contados. Tudo o que lhe restava eram memórias.

Deixou as luvas de lado, retirando as pequenas caixas de joias da gaveta e colocando-as sobre a penteadeira. Com um pouco mais de esforço, retirou o fundo falso da gaveta. Lá embaixo, descansava uma pequenina caixa de vidro. Ali estavam escondidos seus mais preciosos pertences. Segurou-a em suas mãos trêmulas, abrindo a tampa.

Lá dentro, havia mais um par de luvas. Porém, eram luvas masculinas. Pretas e menos graciosas. Ela pegou-as, passando os dedos suavemente pelo tecido, relembrando o dia em que as havia roubado. Conteve um suspiro. E as lágrimas. Oh, como ela queria ter mais tempo de vida. Ter mais tempo com ele. Seu Leon.

Passou para o próximo item da caixinha, segurando na palma de sua mão o anel de prata com singelas pedrinhas vermelhas no centro. Sorriu tristemente. Morreria sem se casar. Seu maior sonho não seria realizado. Não teria a chance de construir uma vida com o homem que amava. De deitar-se todas as noites e acordar a seu lado pela manhã. Ver seu sorriso todos os dias. Discutir com ele por implicância. Ter filhos. Criar garotinhas que tivessem os olhos azuis dele e os cabelos loiros dela. Ou talvez rapazinhos com os olhos azuis e o cabelo escuro como o pai. Nada disso aconteceria.

Colocou o anel em seu dedo anelar esquerdo, como se já estivesse enfim casada. Afinal, de certo modo, ela já estava mesmo. Casara-se com Leon desde o exato instante que o viu pela primeira vez. Ela o amava. O amava como jamais imaginava que poderia amar. E sabia que era recíproco. O casamento era apenas uma formalidade perante a sociedade, nada mais. Não significava nada para quem compartilhava um amor como o deles.

Buscou então o último item escondido com tanto zelo. Um cordão de ouro que abrigava um relicário. Hesitou antes de abri-lo, mas não queria morrer sem fazê-lo. Sua hora chegaria a qualquer momento. Ela não tinha tempo a perder.

Dentro do relicário, ela visualizou a imagem de um jovem rapaz de cabelos escuros e olhos claros. Era apenas uma pintura. Não fazia jus a sua imagem vívida, mas era melhor que nada. Passou os dedos sobre a diminuta lembrança, como se pudesse atravessar o papel e tocá-lo. Oh, como sentia falta dele. Como queria poder sentir seu abraço, seus beijos e carinhos uma última vez.

Sabia que era impossível. Estava contaminada pela praga. Não poderia tocar ou mesmo ficar no mesmo lugar que qualquer pessoa que temesse por sua saúde. Não condenaria seu grande amor a um destino tão cruel quanto o dela. Queria que ele vivesse. Vivesse e encontrasse uma mulher que poderia lhe dar a família que eles tanto sonhavam. Claro, essa mulher provavelmente não o amaria tanto quanto ela o amava. O ciúme judiava seu coração ao imaginar a cena, mas não podia ser tão egoísta. Estava morrendo e ele continuaria vivo. Queria que fosse feliz.

Supplicium [Completo]Where stories live. Discover now