Um

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Violet Woods se orgulhava de sua capacidade de organização. Esse era um dos motivos pelos quais ela adorava trabalhar numa biblioteca. As pessoas pareciam gostar muito de bagunçar os livros, colocando-os sempre fora de lugar, mas ela não se importava. Adorava reorganizar.

O segundo motivo se referia à sensação de conforto que sentia sempre que estava em uma biblioteca. Era um local calmo, que lhe dava a sensação de que todos os seus problemas desapareciam assim que punha os pés sobre o chão de madeira brilhantemente polido. Se sentia leve, desimpedida. Sentia a paz necessária pra ouvir seus próprios pensamentos e reorganizá-los, assim como fazia com os livros.

Era por isso que, desde que conseguiu o emprego na biblioteca pública mais antiga da cidade, decidiu que jamais queria sair dali. Tinha um certo fascínio por coisas antigas, e ali, decididamente havia muitas delas. Era um acervo de mais de 10.000 livros, e alguns com edições muito antigas.

Sem falar na arquitetura do prédio, que apesar de ter sido reformado diversas vezes ao longo dos anos, ainda conservava aquele ar de algum século passado. Era uma estrutura grande e ampla de dois andares, construída em um estilo gótico que lhe conferia um aspecto sombrio, mas ao mesmo tempo, fascinante. Os dois andares eram inteiramente ocupados com seções e mais seções, estante após estante.

Quando começou a trabalhar ali, chegava a se perder diversas vezes naquele imenso labirinto de livros. Tinha até receio de se aventurar mais adentro nos primeiros dias. Mas aos poucos foi conhecendo cada cantinho daquele lugar, até os mais escondidos, os quais David, seu colega de trabalho, sugeria com evidentes segundas intenções, que eram bons pra uns amassos. E Bryce, seu melhor amigo, retrucava que seriam bons pra um assassinato.

Sorriu ao colocar cuidadosamente uma edição do ano de 1981 de O Morro Dos Ventos Uivantes na estante à sua frente. Depois fez seu caminho de volta ao balcão principal da biblioteca, disposta a pegar mais livros para repetir o processo. Essa era sua função principal: juntar todos os livros devolvidos e colocá-los de volta em seus devidos lugares. Era a tarefa perfeita: organizar as estantes uma e outra vez era uma desculpa excelente para manusear os livros.

Sempre ouviu muitos comentários sobre “livros estupidamente velhos”, mas para Violet, isso chegava a ser um insulto. Eram livros velhos, sim. Com frágeis páginas amareladas, gastas pelo tempo. Mas eram verdadeiras relíquias! E ela adorava o cheiro que desprendia deles. Faziam-na imaginar quais tipos de pessoas haviam alugado aquele livro durante todos aqueles anos.

— Ele está te encarando de novo — ouviu a voz enciumada de David.

Se virou pra ele, segurando três livros firmemente junto ao peito, e jogou um olhar disfarçadamente por cima do ombro. A biblioteca estava quase vazia, exceto por um rapaz solitário sentado em uma das mesas de madeira, que naquele instante parecia concentrado demais em seu livro para possivelmente encarar alguém.

— Não está não, Dave — falou sem graça.

— Agora não, porque você está olhando de volta — ele acusou. — Mas quando você está de costas, ele fica de olho em cada movimento seu — David teimou, cruzando os braços.

Diferente dela, a função principal de David era monitorar os computadores da biblioteca, mas como trabalhavam no primeiro andar, isso os tornava mais próximos. Violet gostava dele, apesar de todas as suas tentativas frustradas de levá-la para sair.

Ela tinha que admitir: ele era inteligente, simpático, tinha vários gostos em comum com ela, e mais, ele era muito bonito. Tinha os cabelos castanhos transformados em um topete descolado e jovial, os bonitos olhos castanhos esverdeados escondidos pelos óculos de armação preta, e um sorriso lindo de dentes brancos e certinhos. Ela até poderia sair com David, se ele fosse o seu tipo. Infelizmente, ele não era.

Supplicium [Completo]Where stories live. Discover now