2. lute por uma reação

2.7K 350 120
                                    


2. lute por uma reação

     Viver escondendo as coisas não era um jeito mais fácil de viver. Muitas vezes quando alguma coisa acontecia fora do normal os segredos atrapalhavam. Era isso que eu fiquei pensando, o quanto eu estava atrapalhado naquele dia, quando meus irmãos estavam de férias e a minha vizinha não tinha como ficar com os dois, o que arruinava completamente o meu treino.

     Miriam era uma mulher boa, querida e preocupada. Quando minha mãe desapareceu e meu padrasto a deu como morta, Miriam me ajudou a cuidar dos outros dois, quando eles eram apenas bebês.

     E eu tinha 15 anos. 

     Não sabia a metade das coisas que um bebê precisava, só que eles precisavam de mamadeiras e fraldas, sendo que essas coisas eu mal sabia como fazer e meu padrasto não ajudava. Aquele filho da p*ta só sabia pedir cervejas e entregar o dinheiro para que eu buscasse mais, me prendendo dentro de casa para fazer o que minha mãe fazia. 

     Os gêmeos ficavam chorando a maioria dos dias, e eu chorava junto. Eles por causa de fome e eu porque estava sendo forçado a sair da escola por causa das minhas notas que só pioravam conforme os dias, e assim ficava sem comer também. 

     Sem minha mãe lá não tinha como ir para receber as provas e os temas* e tudo aquilo mais, só tinha como aprender agora a lavar mais do que uma maquinada de roupa e então aprender a lavar na mão porque a máquina tinha estragado e não tinha como falar sem apanhar e ser culpado pelo estrago. 

     Miriam me ajudava. Quando ela descobriu que minha mãe realmente não tinha voltado das suas saídas noturnas, quase um mês e meio depois, ela me ajudou com comida e com os gêmeos. Desde então eu comecei os treinos e as lutas vieram logo depois. Eu tinha jeito para a coisa, diziam eles. E eu acreditei. Eu precisava acreditar. 

    Assim como eu precisava treinar mais, e precisava da ajuda de Iara. A última pessoa que eu queria pedir ajudar, mas só conseguia pensar no quanto eu perderia se não fosse no treino. 

     Antes eu me preocupava com fraldas, naquele momento eu me preocupava com o dinheiro que eu conseguiria comprar o que eles precisavam. O que eu tinha que ganhar para deixar eles bem e ir embora. 

     Eles eram meus irmãos, pela metade, mas eram... e eles iam se divertir tanto em estragar a cara sem sal de Iara que, só ali, pensei que conseguiria rir da situação. Mesmo sabendo que ela iria manipular tudo o que eu era depois. 

     — Eles tem 11 anos e não querem nem saber de livros, então acho que tu vai ter que encontrar outra coisa pra falar com eles se não as merdas dos teus livros. — Disse, antes de sair caminhando para a porta. Ela fechou o computador em um barulho agudo, seus sapatos fazendo barulhos atrás de mim e essa era a única coisa que fazia eu ter certeza que ela estava atrás de mim. Nenhuma palavra, nenhuma reclamação. 

    — Certo. — Concordou. Olhando para ela, tão mais baixa que eu, vi o seu peito subir e descer tranquilo, os olhos calmos de sempre e os pés rápidos para ficar do meu lado. Desviei o olhar com raiva e continuei caminhando, até mesmo um pouco mais apressado, para ver se a sua respiração aumentava e eu conseguia tirar alguma reclamação dela, alguma coisa de sentimento.

    Não só quando ela meteu a sua mão na minha boca, completamente nervosa. Não queria que aquela fosse a sua única quebra de tranquilidade na minha volta. Queria mais alguma coisa que fizesse eu ser o único sem apego do grupo.

     Chegando na parada de ônibus, eu me sentei e fiquei olhando para os carros que passavam, esperando que eles viessem. Meus braços cruzados, os olhos pequenos por causa da claridade. Iara ficou em pé, apoiada em alguma foto publicitária que eles colocavam em todos os locais possíveis, divulgando alguma oferta irrecusável de recarga de celular. 

Boa tarde, Zeus ✓Where stories live. Discover now