9. cite sua importância

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9. cite sua importância 

     Era possível se acostumar com algo que muda de um momento para o outro? Se é que podemos acreditar em algo que muda tão rapidamente. 

     Este pensamento cruzava minha cabeça todos os segundos em que Zeus parou de me ignorar por completo, e começou a agir como se eu fosse uma pessoa. Não tínhamos conversado direito desde o dia em que ele entrou na cafeteria. Entretanto, ali estávamos os dois, sentados e dividindo comida enquanto ele explicava de repente o porque de ter demorado e continuava falando sobre seus irmãos.

    Não interrompi a voz profunda dele para admitir que pensei ser erro ele ter ido conversar comigo, mas dentro dos meus pensamentos mais secretos era a única coisa que conseguia ter.

     Eu encarava ele, as mãos repletas de veias saltadas, a blusa desbotada, a barba perfeita e comprida e como os seus olhos não estavam com tamanho desgosto.  E novamente um alerta apitava na minha mente de como era um erro aquela situação, pois eu estava gostando. 

    Da presença, de ser notada por ele, do modo como certas palavras saíam arrastadas demais no jeito que ele falava. 

     — Me desculpa se eu falar muito sobre os gêmeos. — Comentou, assim que terminou de falar sobre alguma aventura que Martina e Vinícius aprontaram na escola, e como ele teve que sair correndo para resolver. Mantinha-se com o rosto sério, sem risadas. 

     Talvez eu não tivesse o mérito ainda de receber sozinha o seu sorriso.

    — É costume? — Perguntei. Não sabia direito o que era uma conversa com Zeus, mas de alguma forma ele estava agindo exatamente do jeito que eu suspeitava. Falando dos seus irmãos, não fornecendo dados pessoais. Em algum lugar da minha imaginação, uma cena dele indo preencher um formulário obrigatório se fez, e naquela cena tão louca, o Zeus dos meus pensamentos tentava o máximo não colocar o endereço da sua moradia.   

     — É. Acho que eles viraram também um assunto que eu gosto de falar.  — Ele terminou, cortando e dando uma garfada no panini. 

     Não tinha uma fome tão grande como a de Aquiles, mas sentia o prazer de comer que eu não conseguia entender. Todas as mordidas e garfadas dele pareciam uma sinfonia de Tchaikovski em movimentos cotidianos: algo clássico e somente quem estuda e presta atenção vai saber o quão importante é.

     — Eu tenho uma teoria. — Falei. Olhando para ele, seus olhos mostraram interesse para as minhas palavras que até ali não tinha visto. Mas, para mascarar, os mesmo olhos reviraram e vestiram disfarce de desgosto. Estava ficando mais fácil notar toda a sua pose.

     — Quando que tu não tem algo pra falar? — Ele questionou. Mais uma garfada fazia a sua atenção se perder no quanto ele gostava de comer o prato. 

     — É algo normal. São teorias. 

     — É... — Ele concordou e continuou comendo, esperando que eu falasse mais. 

     Largando meus talheres na mesa, puxei a cadeira para mais perto. Na nossa volta, algumas pessoas chegavam, e uma das minhas funcionárias saía da parte da cafeteria para ajudar na livraria. 

     — Quando se tem crianças na família, é muito difícil de termos outros assuntos. Isso vale para quando tu é pai ou mãe, tio ou tia...até mesmo dindo. É muito mais interessante falar sobre uma geração que vai crescer e tu pode criar o futuro dela na sua mente do que prestar atenção onde tu está agora. 

     Colocando os braços em cima da mesa, minha cabeça pendeu para um lado, analisando o modo como, em um segundo, os movimentos de Zeus ficaram mais devagar. Gradualmente sua visão veio até mim, sua mão largou o garfo e com um guardanapo de pano ele limpou o canto da boca que não possuía nenhuma sujeira. 

Boa tarde, Zeus ✓Where stories live. Discover now