A um passo do precipício

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Orgulho não é grandeza, mas inchaço. E o que está inchado parece grande, mas não é sadio.
Agostinho de Hipona


Enquanto Theo observava sua esposa concentrada no notebook, ele notava a tensão em seu rosto. Ela parecia estar lutando com alguma questão complicada. Às vezes, ela franzia a testa, em outros momentos mordiscava os lábios. Ele a via digitar freneticamente, repetindo cada palavra com os lábios sem emitir qualquer som. O que ele não sabia era o turbilhão de pensamentos acalorados que estavam correndo pela mente dela, prontos para explodir a qualquer momento.

"— Mesmo que você queira conversar com as vítimas, eles vão descobrir quem é você e o que aconteceu no passado. Soube que um deles se tornou jornalista, querida. Então, imagina o caos que vão fazer na sua vida e o baque decepcionante que seus amigos e família irão sentir. Além do mais, ir até lá só vai cutucar feridas não cicatrizadas, as suas e as deles."

Ele disse isso no dia em que ela insistiu em conhecer as vítimas do tio dela. Cada palavra que ele disse parecia ter entrado em seu subconsciente, deixando-a paralisada. Não houve reação por parte dela.

Foi em uma quarta-feira chuvosa que ela decidiu que precisava colocar tudo em pratos limpos, e não haveria mais escapatória.

"Sim, aquele dia que fiquei estranho foi porque recebi um telefonema de Jamily. Com certeza, ela pegou meu número com o noivo dela e veio me infernizar. Eu juro que estava me controlando para não acabar com a raça daquela piranha. Nem rendi assunto e a excluí dos registros telefônicos e avisei Júlio para cuidar da noiva dele porque amo minha esposa. Acredite se quiser."

— E depois? — Ela pigarreou após uma longa pausa desconcertante, pois ele não piscava um segundo sequer ao dizer cada palavra

— Depois do quê?

— Depois que eu tentei te levar para longe de todos, você sorriu de forma doentia e disse: doce, Val.

Theo engoliu em seco. Como contornar aquela mulher?

— Amor, eu não ia te bater, jamais foi minha intenção te assustar. Eu não sei porque eu disse aquilo. Eu estava confuso por me sentir mal...

— Quando estiver disposto a dizer a verdade, estarei aqui.

Depois daquilo, Theo fez o que pôde para provar sua "sinceridade" inclusive revelar seus segredos mais sórdidos do passado, detalhes que ele jamais contou antes. Para ele, não fazia mais diferença aquelas lembranças, não doíam fisicamente, apenas o ódio era alimentado. Com o passar dos dias, pareciam dois pombinhos recém-casados vivendo em seu ninho de amor.

E ele se convencia de que ela comeria na palma da mão dele enquanto vivesse. Afinal, mulheres eram atraídas pelo que escutavam, certo?Distanciando dessas memórias, Valentina sentiu-se observada e ao erguer os olhos, deparou com um par de turquesa límpido a encarando fixamente.

— Está na hora do almoço? — quis saber ela, consultando o relógio no canto inferior da tela. — Ainda são dez horas.

— Não está trabalhando. — Afirmou, remexendo a caneta entre os dedos, semicerrando os olhos.

— Olha só quem fala. — bufou ela, limpando a garganta e voltando a digitar freneticamente no notebook. — Se eu estiver te atrapalhando é só falar, querido.

— Não está. — sorriu, arqueando a sobrancelha. — vamos jantar fora hoje.

— É uma ordem? — riu ela, focada no que digitava. — Ah. não. Por que colocaram isso no site? — Esbravejou em seguida, ficando rubra enquanto pegava o celular ao lado e mandava um áudio extenso para alguém.

Rendido ao amor ✓ (VERSÃO NOVA)Where stories live. Discover now