17 - O tridente de Samara

24 10 5
                                    

Levei alguns segundos para processar o que ouvi. Abri meus olhos no momento em que não senti o que estava predestinado a acontecer e virei em direção ao tom barítono que havia alcançado meus ouvidos, pertencente à figura masculina do outro lado da barreira.

Seu braço estava estendido em direção ao animal, ao qual eu desviei o olhar, e percebi que ele estava parado, como se seguisse uma ordem de seu mestre. Os dentes estavam à mostra, sua respiração tão ofegante quanto a minha e seu olhar sedento continuava fixo em mim.

— Khaos te assustou, meu bem? — A zombaria em seu tom me fez bufar antes de levantar.

No momento que ergui meu olhar, encontrei o par de mercúrio nas íris do homem trajado de preto. A camisa de manga longa dobrada até os cotovelos acentuava seus braços definidos, os cabelos escuros absorviam a pouca iluminação existente e, só então, percebi o quanto era fascinante como ele e a noite se completavam como se fossem um só.

— Como você fez isso? — Apontei para o animal selvagem que não movia um único músculo.

— Eu a criei, ela me obedece — respondeu como se fosse algo óbvio.

— Ela? Você deu o nome derivado de um deus primordial a uma fêmea?

Ele inclinou a cabeça e me observou com curiosidade.

— O caos combina muito mais com as fêmeas, não importa de que espécies elas sejam.

Um fantasma de sorriso exibido escorregou em seus lábios definidos.

— Você tem um urso como animal de estimação. — Tentei soar indiferente, levantando e limpando toda terra e grama que estava grudada em minha roupa — Zyan, mande a sua... coisa ir para o lado dela da barreira.

— Não fale assim, ela pode ficar ofendida — ele debochou e eu fiz uma careta.

Com apenas um gesto de mão, o animal pareceu entender perfeitamente. Khaos parou de exibir os dentes para mim e passou para o outro lado da fronteira, deitando sobre as patas ao lado de Zyan. Observei toda a cena de queixo caído, aquela ursa tinha força e tamanho suficiente para enfrentar uma pessoa, mas seu semblante ficava dócil ao lado do seu criador.

— O que você está fazendo aqui, afinal de contas?

— Khaos gosta de caçar a noite, então quando posso eu a acompanho — explicou, aproximando-se do animal para fazer uma carícia no topo de sua cabeça. — Inclusive, ela só veio para esse lado porque sentiu o cheiro de sua caça preferida.

— Que seria...?

— Fadas — respondeu, os lábios curvando em um sorriso presunçoso. Notei o trocadilho, assim como Viper usou na arena, o que me fez revirar os olhos entediada.

— Parece que vocês dois têm algo em comum então — rebati. — A diferença é que ela é um animal irracional, já você... — pausei para observá-lo com um olhar afiado. — Não, espera, vocês têm isso em comum também.

— Já falei para ter cuidado com essa língua. — Sua voz soou grave e autoritária, provocando arrepios em meu interior. Ao mesmo tempo, ele parou com a carícia em Khaos e ergueu o olhar para mim. — Não gosto do seu tom.

— E eu não gosto de você.

— Não costumo me importar com o que os portadores de luz pensam sobre mim, muito menos uma lighter. — Suas mãos deslizaram para os bolsos da calça, algo que eu já estava percebendo que ele fazia com frequência.

Zyan tinha um charme único que, anexado com o aroma marcante que eu conseguia sentir de onde estava, poderia até torná-lo um homem muito interessante. Infelizmente, ele era o que era, por alguma razão, ainda odiava todos os lighters. E matava pessoas inocentes.

A Soberana do Ouro NegroWhere stories live. Discover now