Visita

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Camila passara sua vida restaurando os momentos mais marcantes das vidas dos outros.

Consertara quadros sobre conquistas militares, casamentos, tragédias pessoais.

Numa existência inteira...

Talvez um...

Dois momentos...

Eram considerados dignos de preservação eterna por um olhar alheio.

Quase nunca aqueles instantes coincidiam com os que eram os mais felizes daquela pessoa.

Os dias mais alegres de alguém eram normalmente esquecidos pela História.

Eram guardados só por quem sentiu aquilo.

Percebeu um certo descompasso arterial lhe preenchendo.

Conferiu seu reflexo no espelho.

Parecia tudo no lugar.

Que enganoso.

Sentia como se seus órgãos estivessem se esbarrando em frenesi enquanto tentavam encontrar as devidas posições.

O coração parecia estar nos ouvidos e o estômago na boca.

Respirou fundo.

Se seu pulso continuasse naquele alvoroço interno não ia conseguir escutar nem os carros na rua.

Olhou seu reflexo de novo.

Devia ser a décima checada.

O que estava fazendo?

Ia conferir tudo outra vez para ter certeza de que não estava esquecendo um olho ou algo assim?

Respirou mais fundo.

O vestido tinha um corte bonito.

Leve, fresco.

Casual chique?

Suspirou.

Às vezes teria sido melhor ter deixado para se arrumar de última hora e ido no embalo do susto.

Olhou o celular.

6h15.

Olhou sua mala no canto da sala.

Toda lacrada já, nem adiantava querer conferir algo.

Sua bolsa estava com tudo necessário.

Se tivesse esquecido de alguma coisa seria aquele tipo de coisa que nem passava pela cabeça até você precisar e não seria agora que iria lembrar.

Conferiu suas costas no espelho.

Vai que tivesse esbarrado em algum lugar.

Não tinha esbarrado em nada.

A não ser naquele trajeto estranho que a sua vida tomara.

Riu para o seu reflexo como se estivesse num banheiro feminino de balada às 4 da manhã.

Seus olhos castanhos lhe encararam divertidos e um pouco sábios.

É.

Era a hora de pular.

Quando ela fizesse 90 anos, ia querer voltar para aquele segundo com toda sua alma.

Prometeu para sua pessoa idosa que iria lhe representar.

Enlaçou e assentou sua mochila de mão nas alças da mala.

E saiu de casa com a pressa e o vigor de quem não ia trabalhar.

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Inveja.

Lauren acordou com inveja.

Quando se é criança e te falam sobre os pecados, parece tão fácil não cair nesse.

Dá até uma superioridade moral em relação aos adultos enrolados.

Mas aí você cresce e olha pro lado.

E percebe que alguém já namorou a Rosé do BlackPink ou cresceu tendo pais educados.

É muito além das desigualdades sociais.

Algumas pessoas se esforçam a vida inteira para encontrar algum carinho romântico.

Outras passam a semana ignorando três mulheres incríveis imediatamente obcecadas com um homem que tem o carisma de um programa de domingo da TV aberta.

Olhou para o teto pensando em quem sentaria ao lado de Camila no barco.

E logo no seu aniversário.

Saber o que você está perdendo é muito pior do que perder desavisado.

Já estava se virando para voltar a dormir quando reparou numa aranha desfilando na sua parede como quem não percebe que está ao lado de um ser amargurado.

Suspirou.

“Sua sorte que eu sou contra descontar a raiva nos mais vulneráveis”

Foi pegar um copo transparente e um papel para transportar a bendita.

Como era aquele poema?

Começou a recitar para combater o tédio daquela tarefa ingrata.

She asks me to kill the spider.
Instead, I get the most
peaceful weapons I can find.

I take a cup and a napkin.
I catch the spider, put it outside
and allow it to walk away.

If I am ever caught in the wrong place
at the wrong time, just being alive
and not bothering anyone,

I hope I am greeted
with the same kind
of mercy”

[‘Ela me pede para matar a aranha.
Ao invés disso, pego as armas mais
pacíficas que consigo encontrar.

Pego um copo e um guardanapo.
Pego a aranha, coloco-a para fora
e permito que ela se vá.

Se eu alguma vez for encontrado no lugar errado,
na hora errada, só estando vivo
e não perturbando ninguém,

Eu espero ser recebido
Com o mesmo tipo
De misericórdia’]

Era do Rudy Francisco, não era?

Olhou a bem aventurada indo embora.

Tomara que ela encontre o que procura.

Ouviu uma batida na porta.

Argh.

Dinah havia pedido para planejar o dia.

Estava tão resignada com o fracasso desse ano que havia deixado.

Mas não imaginou que seria tão ruim a ponto de começar com os galos.

Arrastou-se até a porta mantendo um dos olhos ainda fechado.

“Sério Dinah, que porra de programação de aniversário começa esse horário?”

Camila lhe encarou bem-humorada:

“Na verdade começava bem mais cedo, você que está atrasada”

?

“Mas se preferir dormir posso ir embora”

Puxou a mulher pelo braço e fechou a porta num estalo.

Sua visita riu, mas reclamou:

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⏰ Last updated: May 04 ⏰

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Modulação PolicromáticaWhere stories live. Discover now