Fogo e Pólvora

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Notas:

Termina aqui a parte de introdução da estória.

Agradeço as visualizações, os votos e os comentários recebidos. As notificações alegraram meu dia.

Boa leitura!

Passada uma semana de sua visita de reconhecimento na National Gallery, Lauren revisava seu plano de ação uma última vez. Finalmente o projeto pichação chegaria ao ápice.

Embora a ideia inicial houvesse sido aquela amostra de arte africana, uma oportunidade melhor surgira quando um repórter do Telegraph, que também havia atendido ao evento sobre Sansão e Dalila, decidira mencionar a palestra na seção de destaques culturais londrinos.

O diretor da galeria, marketeiro talentoso, decidira usufruir ao máximo da atenção recebida e invocara a palestrante para uma nova apresentação, dessa vez sobre um Ticiano recentemente restaurado.

A notícia do evento havia sido divulgada no próprio jornal, e esse teria direito a streaming ao vivo, o que ampliava enormemente a quantidade de pessoas que teriam acesso às imagens.

Mediante essa janela de ação perfeita, Lauren havia alterado a data da pichação, no que teve concordância total de Richard. Nesse minuto mesmo estava terminando de passar mentalmente a sua sequência de ações, enquanto se deslocava do gabinete do seu apartamento até o quarto, em busca de um moletom com capuz.

Se pudesse, evitaria que seu rosto fosse capturado em alguma foto e exposto junto com a frase pintada. Na prisão em flagrante ela pediria sigilo da foto de reconhecimento criminal. Se tudo corresse bem, apenas a mensagem seria viralizada, não sua autora.

“Não há beleza em ignorar a Somália”

Escolhera bem, não?

Havia pensando em algo que evidenciasse o problema em se alienar artisticamente em erudições enquanto nada era feito para ajudar países que haviam sido histórica e amplamente explorados pelas potências europeias.

Esses jornalistas, esses palestrantes, esses ouvintes...

Todos voltavam suas atenções em glorificar o patamar de evolução cultural dos países desenvolvidos, a riqueza do aprimoramento humano, o grau de cultura preservado pelos maravilhosos europeus...

Mas de onde a National Gallery havia tirado tantos fundos para adquirir todos aqueles Rubens e Ticianos e Van Goghs?

Milhões de euros gastos em compras e estruturas de exibição, na construção arquitetônica do lugar, nos seguros financeiros...

Enquanto isso as crianças somalis enfrentavam desnutrição crônica, no melhor dos dias.

Por exemplo, só aqueles malditos girassóis haviam sido avaliados em 84 milhões de dólares.

84 milhões!

Equivalia ao preço de se garantir o acesso à água a 21 milhões de pessoas, através da feitura de cisternas.

A Inglaterra deveria era devolver esses quadros para os seus países originários ou pelo menos vendê-los para colecionadores particulares e usar o dinheiro para fins necessários, urgentes, humanitários.

Era um ultraje.

Um dar de ombros coletivo ao sofrimento alheio.

Uma indiferença institucionalizada e exposta em salas preenchidas por sofás acolchoados e sistemas de alarme.

Bem, hoje aquelas pessoas não seriam ignoradas.

Seria a sua versão de “Vozes d’África” do Castro Alves.

Modulação PolicromáticaWhere stories live. Discover now