Piano Man

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Nove horas da noite de sábado.

Ally acabara de desistir da missão de fazê-la festejar o fim do semestre com as meninas da casa.

A amiga saíra resignada do quarto, fechando a porta num movimento lamentoso.

Faltava apenas algumas semanas para a entrevista sobre o estágio de verão em Viena, e realmente precisava de todo tempo possível nesse preparo.

Trabalhar no Kunsthistorisches.

Onde as escadas revelavam mundos em formas de estátuas e as paredes os escondiam em figuras acima da altura que os olhos podiam alcançar.

Figuras que só eram conquistadas pelos que se muniam dos binóculos discretamente disponibilizados em balcões seletos e de um desejo intenso de exploração.

Suas salas estavam completamente preenchidas com quadros de artistas que costumavam ser representados por peças individuais.

Aquela vaga de estágio era um portal para algumas das telas mais inacessíveis da História da Arte.

E tinha tudo para ser dela.

Só exigia certos sacrifícios.

Um deles estava atravessando o centímetro entre o chão de seu quarto na república e a porta recentemente selada.

Frestinha suficiente para fazer ouvir o rebuliço da casa em direção a um final de semana inesquecível.

Conseguia ouvir a animação das amigas prevendo se Henrys e Charles apareceriam e distinguir o leve tilintar de vidro em vidro que honrava os brindes de corredor.

Ally gargalhava.

Quando os netos da amiga perguntassem sobre seus anos de juventude, ela provavelmente se lembraria daquele som.

E da empolgação de pular de festa em festa passeando por Londres com um amigo de cada lado do braço.

Alguém já estava abrindo o portão da casa.

Se começasse a trocar de roupa agora, conseguiria alcança-los na esquina.

Deveria?

Ally abriria um sorriso largo ao recebê-la.

Mas e a Torre de Babel?

Se começasse a trocar de roupa agora e corresse conseguiria alcança-los atravessando a rua...

Não...

Melhor não.

Volta para a Torre Camila.

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Nove horas da manhã da sexta-feira.

O corredor lhe encarava sem piedade.

Ao seu fim, atrás de uma porta pesada e adequadamente sombria, lhe aguardava um funcionário antigo do museu de arte.

O coitado não tinha ideia do que estava esperando.

Aqueles minutos de postergação eram benéficos para ambos, mas tinham que acabar.

Queria que seu corpo estivesse se virando e caminhando até o ar puro austríaco.

Mas não.

Suspirando, inicia sua trajetória linear.

Como ela iria dizer?

“Olá Pete, admiro muito seu trabalho. Acho que fez um percurso de excelência. Com exceção do erro grave que cometeu a semana passada e que fez o diretor me ordenar veementemente para te substituir o quanto antes”

Modulação PolicromáticaWhere stories live. Discover now