Capítulo Onze

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Quando o despertador do meu celular tocou na manhã de segunda-feira, levantei-me me sentindo um trapo ainda mais acabado do que o normal. Não bastava ter que trabalhar naquela merda hoje, mas também havia o fato de que assim que abri os olhos os acontecimentos de sábado ficaram se repetindo em minha mente. Infelizmente o cérebro te faz lembrar exatamente o que você quer esquecer. Uma olhada rápida para a porta de minha casa quando passava pelo corredor em direção à cozinha e as lembranças de como havia sido um tremendo canalha aparecessam com força. Liguei a cafeteira e voltei ao quarto para colocar um daqueles ternos que era obrigado a usar e que me faziam sentir tão feliz quanto um prisioneiro em seu uniforme laranja. Infelizmente aquelas tarefas mecânicas não me distraíram, nem aquilo e nem o café queimando minha garganta. 

Parado encarando o vazio com a caneca em mãos, quase podia vê-la na minha frente. Seus cabelos bagunçados enquanto sua boca, que eu ajudara a deixar inchada, cuspia perguntas, ficando cada vez mais furiosa a cada resposta que não recebia. 

"Por que você me beijou? Por que continua fazendo isso? Por que porra você não me responde?"

Só um canalha fica em silêncio quando a mulher com a qual você passou os últimos minutos praticamente transando de roupas te faz perguntas. E nem mesmo eram questões descabidas. Era perfeitamente lógico e justo, porém não tinha nenhuma resposta. Então fiquei calado. 

Um covarde que merecia as palavras duras e as ameaças que se seguiram. 

"Não mereço ser tratada como lixo. E, por mais agradecida que esteja por você ter encontrado Cookie, isso aqui não vale minha dignidade." 

Joguei a caneca de qualquer jeito dentro da pia e o barulho seco me lembrou da porta batendo com força quando ela foi embora, deixando um rastro de fogo por seu caminho e um sentimento de culpa sobre meus ombros. Podia lidar com sua raiva, também era homem o suficiente para gerenciar a ereção que me doía. O que me causou ligeiro pânico, entretanto, foi quando a luz do corredor bateu em seu rosto e pude ver que havia lhe machucado. E Reid tinha toda razão para se sentir assim. 

Não queria fazer aquelas coisas, não queria continuar deixando nós dois frustrados daquele jeito. 

Uma das primeiras coisas que se aprende no exército é conter impulsos. O cometimento era necessário a cada minuto em que você estava treinando e era absolutamente essencial na hora das batalhas. Não era só a sua vida na linha, mas também a de seus companheiros. Ninguém queria um descontrolado portando uma metralhadora ao seu lado. Anos limando, serrando, entalhando meu autocontrole para brilhá-lo à perfeição. Nem mesmo piscar ou respirar enquanto enxergava ao longe, esperando o momento perfeito para apertar o gatilho e abater o alvo. 

Tudo isso reduzido a pó em questões de segundos graças a um metro e sessenta e oito centímetros de pura confusão. 

A conclusão era simples, pois: não conseguia me controlar e depois inconscientemente a culpava por isso. No momento em que peguei minha maleta, em meio ao meu caminho para saída, percebi quão ridiculamente injusto estava sendo. Ravenna Reid tinha razão ao jogar todas aquelas coisa na minha cara e também tinha razão ao não voltar no domingo. 

Como um covarde, não consegui encarar a outra porta do corredor enquanto saía de casa. Ao chegar à garagem já havia aceitado resignadamente que ela havia decidido que o melhor seria ficar longe. Não podia culpá-la por essa decisão. 

Compreensão, entretanto, não ajudava em nada o meu mau-humor e o fato de que me sentia um crápula. A viagem até KI foi uma merda maior do que a de costume e o único ponto alto é que todos naquele prédio estavam desesperados demais correndo com seus próprios trabalhos para se preocuparem em parar para me bajularem. April me seguiu para dentro da sala assim que cheguei, repassando os diversos compromissos da agenda de hoje antes mesmo que pudesse alcançar minha mesa. A distração era bem-vinda e esqueci-me dos problemas pessoais por um tempo. Meu ânimo, contudo, só piorava. Foi preciso que minha secretária aparecesse para me dizer, em tom de desculpas, que lamentava interromper, mas que já eram duas horas da tarde e ela gostaria de saber se eu queria que ela mandasse buscar um almoço, para que eu percebesse que estava com muita fome e que a falta de alimento estava contribuindo para piorar as coisas um pouco mais. 

BlackbirdWhere stories live. Discover now