Capítulo Vinte e Oito

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Não consegui impedir que meu olhar outra vez deslizasse para a tela do celular em minhas mãos. Nada. Nenhuma nova mensagem, nenhuma chamada perdida. O aparelho estava tão vazio quanto eu mesma me sentia.

Sim, é bem verdade que não atendi nenhuma de suas ligações ou respondi qualquer das dezenas de mensagens ou e-mails que ele mandou. Tampouco atendi a campainha que pontualmente tocava todos os dias às sete da noite, quando, acreditava eu, ele chegava do trabalho e tentava mais uma vez falar comigo. Eu o ignorei como ele havia ignorado meus sentimentos naqueles fatídicos três dias há duas semanas. Eu o ignorei, mas não queria que ele me ignorasse. Eu o ignorei, mesmo sabendo que isso era apenas na superfície, que quando deitava, à noite, sozinha na nossa cama, sentia-me tão gelada quanto seu lado do colchão estava. Ignorei meu ex-namorado, mas não acreditei que ele conseguiria me esquecer tão rápido quanto sua colônia estava sumindo do travesseiro que ele costumava usar. Principalmente quando a cada minuto parecia que alguém gravava com brasa, em frente aos meus olhos, o jeito como ele costumava sorrir para mim.

E cada vez que essa memória aparecia, eu poderia chorar se tivesse sobrado alguma coisa, aqui dentro. Qualquer coisa que não fosse o mais desesperador vazio. Ao invés de lágrimas, então, tinha apenas autopiedade e um tantinho daquele veneno que só o mais puro ressentimento podia trazer.

Havia me afastado de Duke – e aqui, só de pensar no nome dele, uma fisgada ruim repuxou em meu peito – porque ainda me restava um pouco de sobriedade para perceber que as coisas não estavam andando como deveriam, que ele não estava me tratando com a consideração que eu merecia. Havia me afastado porque não precisava me contentar em estar em segundo lugar. Não fui o segundo lugar para Robert e não seria o segundo lugar para Duke. Engraçado como havia chegado a mesma posição e de maneiras tão diferentes. Mr. Shake Proteico me relegava menos importância porque estava mais preocupado em continuar melhorando sua aparência física. Knight, por outro lado, estava preocupado demais em deixar o passado estragar todo o futuro que ele podia ter. Por mais diferentes que os motivos que me obrigaram a me afastar daqueles homens fossem, havia escolhido me distanciar porque não podia ficar estagnada no mesmo lugar para sempre.

Dar murro em ponta de faca não lhe trazia nada de bom. Dois relacionamentos terminados porque, no final, sabia que, antes de qualquer pessoa, teria que colocar a mim mesma em primeiro lugar. Não era possível alimentar uma relação com amor unilateral. Obviamente isso não significava que o sentimento desaparecia com facilidade.

Engraçado como não é fácil perceber que se ama alguém. Não me refiro a esse tipo de sentimento fofinho que te faz comichar de vez enquanto. Não. Esse é fácil de se notar, de gostar, de enjoar. Refiro-me a amor de verdade, aquele que vai te consumindo célula por célula, até que você não lembra mais exatamente quem era antes de ter aquilo te devorando. Esse tipo você não percebe até que já esteja te desintegrando como madeira sob o fogo, quebrando tijolo por tijolo cada pequena barreira que você construiu para se proteger.

O tipo que só aparece uma vez na vida.

Então, convenhamos, não era exatamente uma surpresa que eu estivesse tento problemas para seguir em frente, o que tornava tudo ainda pior – não só pelo fato de estar patética e metaforicamente presa em um momento horrível da minha vida, mas também porque havia terminado com Duke por estar cansada de lutar contra a corrente. Ao me ver livre da batalha, entretanto, o que fazia? Ao invés de saborear a vitória de não ter mais que lutar para avançar cada centímetro de território, continuava lá, paralisada, em completa negação de que não precisava mais enfrentar os medos de Duke para trazê-lo para perto de mim, porque, afinal, a batalha havia acabado, assim como meu relacionamento.

BlackbirdWhere stories live. Discover now