{Segunda} - O Segundo Copo

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O vapor quente subia dançando, trazia o doce aroma do chá até mim. Era um cheiro que retomava a minha infância. Eu sempre odiei chá, mas minha tia me ensinou a gostar, assim como sushi, ou caviar. Eu precisava ter um "paladar refinado", ela costumava dizer.

Bebi um gole do sabor que ainda me era estranho, mas aprendi a apreciar.

O dia estava ensolarado, sem nuvens, o que ainda me deixava um pouco incômoda. O céu cinzento de Londres começava a fazer falta.

Coloquei os óculos escuros que estavam sobre a mesa olhando para o enorme jardim que me rodeava. Eu havia ida ali diversas vezes, corrido por todos os hectares daquela casa de campo que meus pais tinham tanto apreço. Nada tinha sido modificado desde que eles morreram. As flores eram as mesmas, as árvores, a mesa onde tomavam o chá das cinco e discutiam sobre trabalho.

Me levantei dando alguns passos para a frente. Olhei para o infinito que seguia o jardim até meu olhar tocar a grande escadaria subia para a sacada da casa. A sacada, por si só, era maior do que meu antigo apartamento. Eu poderia ter minha própria pequena monarquia e criar uma corte naquele lugar. Não pelo tamanho, mas pelo excesso de quartos e empregados, ainda que meus pais chamassem aquele lugar de casa de campo. Eu sempre o vira como um pequeno castelo.

Eu estava de volta. Aquela era minha vida mais uma vez. Eu havia tentado fugir, ser uma pessoa normal, mas fui puxada de volta para aquela vida onde tudo era exagerado e nunca se sabe as verdadeiras intenções de pessoa alguma. Eu tinha me transformado numa pessoa melhor, mas ao voltar para aquele lugar, eu não sabia por quanto tempo ainda conseguiria me manter assim.

Peguei o bule enchendo meu copo mais uma vez, de longe eu podia ver um garoto descer as escadas até o jardim. Ele estava dentro de um blazer azul escuro e arrumado no ponto certo entre trabalho e casual.

Eu o conhecia, havíamos ido à escola juntos, mas não fomos grandes amigos. O encontrei certa vez, depois de anos, no café onde trabalhei em Londres. Ele não me reconheceu, e nossa conversa foi bem curta, mas, por alguma razão, mexera comigo.

Ele se aproximou devagar e quando finalmente estava a minha frente disse:

– Você era a garçonete? – foram as primeiras palavras de David para mim.

Desta vez, ele havia se lembrado. Coloquei de volta o bule sobre a mesa e o olhei em dúvida. Seu olhar tinha deboche, desdém quase. Ele apoiou uma mão sobre a mesa e se inclinou em minha direção:

– O que você tá fazendo aqui? – agora ele sussurrava como se fosse um segredo que ninguém pudesse descobrir – Você tá trabalhando?

Baixei o olhar reparando em mim mesma. Eu estava vestida com uma blusa branca e um jeans, meu cabelo estava preso num coque pelo costume de trabalhar com comida. Quis acreditar que eram minhas roupas que o fizeram concluir que eu estava trabalhando (ou talvez, por eu estar de pé servindo o chá (para mim mesma)). 

Contudo, foi um pouco difícil para mim acreditar que aquilo era só um mal-entendido. Ele queria me ofender, mas não era pessoal, ele não queria ofender a mim, ele ofenderia qualquer um que não estivesse nadando em dinheiro como ele. Eu não me envergonhava de ter sido garçonete, me orgulhava, na verdade, o que me incomodava era o tom que ele usou e usaria com qualquer outro.

– Esse lugar vai ser meu – eu sussurrei de volta continuando nossa conversa secreta.

– Você vai se casar com o dono da casa?

Cup of TeaWhere stories live. Discover now