{Quarta} - Amizade em Pratos Quebrados

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Eu sonhara com Kenny naquele dia. Havia muito tempo desde a última vez que pensei nele. Ele tinha sido a primeira pessoa que decidi esquecer, não porque me fazia mal, mas porque a mera lembrança dele me era tão aconchegante que me fazia querer voltar. No sonho, ele lia para mim. Tolstoy, Guerra e Paz. Eu detestava, achava maçante, mas adorava escutá-lo. O sonho não durou muito, fui trazida de volta à realidade e quando cheguei, me choquei contra o chão.

- Droga - murmurei abraçando meu edredom que havia amortecido minha queda.

Eu não caia da cama desde que me recusei a ir dormir a não ser que ganhasse uma cama gigante. Isso foi na quarta série.

Me desvincilhei do edredom e levantei motivada. Era um novo dia e eu já havia estragado tudo no dia anterior, por isso, tudo só podia melhorar.

Café da manhã me esperava. Troquei-me rapidamente e desci as escadas.

Cheguei a sala de jantar com um banquete posto sobre a mesa. Minha tia e David riam alto como velhos amigos.

- Enfim a bela adormecida acordou - ela dizia com um bom humor incomum a ela - Oh, David, eu preciso contar a você sobre como ela ganhou esse nome. Os pais dela...

- Podemos não falar dos meus pais? - disse antes que ela pudesse continuar, ela havia acabado de destruir todo meu bom humor.

Sentei do lado oposto ao que eles estavam o criando um enorme vazio demográfico entre nós. Um dos empregados arrumou a mesa a minha frente e começou a me servir. Ficamos todos em silêncio quando enfim Sra. Brooks disse:

- Você vai ficar mesmo aí? - ele dizia reclamando da distância - O que você está fazendo? Vamos mesmo voltar a isso? Já passamos por esse momento.

Era verdade, tudo parecia uma espécie de Deja Vu. Toda vez em que ficava irritada com ela, eu me sentava do lado oposta à mesa e ela detestava, sempre dizia o quão indelicado e deselegante eu estava sendo (e com um convidado a mesa isso a deixava ainda mais revoltada).

- Eu não vou mais brigar com você como se você fosse uma criança - ela dizia me matando com os olhos - Você tem 23. Não 15. Se você quer me culpar por seus pais não terem te dado tudo de mão beijada, tudo bem. Pode me odiar, mas lembre-se que eu cuidei de vocês quando eles morreram.

Revirei os olhos fazendo com que ela precisasse se segurar a mesa para não jogar o garfo em minha direção. Ela estava certa, eu estava agindo como a minha pior versão, uma que eu fizera meu melhor para apagar. Entretanto, nunca estive zangada por causa dos meus pais. Minha tia era muito boa em se fingir de inocente, mas ela só enganava os que não a conheciam.

Ela nunca cuidou de mim. Ela viajara pelo mundo "cuidando" da verdadeira filha de meus pais, a empresa. Colocar uma babá diferente para cada uma das vezes em que ela não estava em casa, ou se mudar para outro país porque apareceu um novo casamento ou um novo divórcio, nunca foi considerado cuidar. 

A verdade era que ela sempre quis tudo que meus pais construíram, mas depois de um tempo era muito mais do que ela conseguia lidar, daí me colocou para seguir os passos que todos queriam.

- Me desculpe, - dei um sorriso forçado e tomei um gole do chá que me foi servido - Sra. Brooks - dessa vez eu quase pude ver o garfo voar, mas ela se segurou.

- Com licença, eu vou me retirar - ela deixou o guardanapo de pano sobre a mesa e saiu da sala.

O empregado fechou a porta atrás dela.

- Eu podia dizer que esse foi um momento estranho, mas agora, me sinto em casa - David se pronunciava se levantando.

- Me desculpa, você não tinha que presenciar isso.

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