{Terça} - De Filósofos a Pintores

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A manhã daquele dia seguinte nasceu nebulosa. Sentia-me um pouco mais em casa vendo como os raios de sol não passavam pelas nuvens e o tempo anunciava chuva.

Acordei cedo ainda acostumada aos horários de trabalho no Blue Cup e o silêncio da casa soava estranho. Sentia falta do barulho dos carros na rua e dos meus vizinhos brigando cedo de manhã.

Houve um tempo em que adorei a calmaria daquele lugar. Era quando eu escapava do mundo, esquecia um pouco de todos e tinha tempo para me perder em meus pensamentos.

Peguei meu caderno na mesa de cabeceira e comecei a escrever. Rabisquei algumas palavras antes que batessem na porta. Um dos empregados entrou trazendo uma bandeja de café da manhã. Chá e panqueca de blueberry com chocolate. Agradeci George enquanto ele saia, sim eu sabia o nome dele, porque não queria voltar a ser aquele tipo terrível de pessoa.

Coloquei o caderno sobre a bandeja transportando tudo para a varanda do quarto e me sentei a pequena mesa redonda de estilo parisiense. Coloquei os fones de ouvido e pressionei o aleatório. Não estava me importando muito com as músicas que passavam, só queria preencher aquele silêncio.

Minha imaginação fluía criando uma estória completa de quem aquele empregado realmente era. Talvez quando eu terminasse mostraria a ele como em minha mente sua vida era incrivelmente emocionante e quem sabe ele não me diria que eu estava completamente certa.

Depois de algum tempo estou tão entretida na estória fantástica de Wade Holden que me assusto quando alguém toca meu ombro.

Olho para trás vendo David.

- Acordado? - pergunto sabendo que ainda era cedo demais. Estendo a mão em direção a outra cadeira num movimento teatral para que ele se sentasse.

- Jetlag - ele disse puxando a cadeira a minha frente e roubando um pedaço da minha panqueca - Qual a sua desculpa?

- Garçonete?

- Jura? Conte-me mais sobre isso - ele abria um sorriso fingindo estar muito interessado - De verdade, como você consegui fazer isso? Trabalhar... numa posição onde todos estavam... acima de você.

- Sinceramente, quando eu fugi, foi terrível. Eu odiava atender aquelas pessoas que se achavam melhores do que eu. Não sei quantas vezes eu precisei me segurar para não dizer "você sabe quem eu sou?". Sim, eu era bastante terrível, mas com o tempo eu comecei a ver que não era melhor do que ninguém e que eu estava com raiva de alguém que não era diferente de mim. Dai, eu meio que comecei a me distanciar desse meu eu terrível.

- Porque você nunca voltou, ao menos até agora? - pude ver como ele parecia realmente interessado.

- Orgulho? Acomodação? Eu não sei ao certo. Eu sinto que depois que o pior passou, acabou sendo bom estar lá. Não haviam expectativas, ninguém sabia quem eu era. Eu precisava da mudança para ser capaz de mudar, se isso faz algum sentido.

- Faz. Quando você está entre as mesmas pessoas, indo aos mesmos lugares, sempre fazendo as mesmas coisas, não é fácil mudar. Eu tenho que admitir que eu sempre tento não ser um cara babaca, mas às vezes não consigo evitar. Meus amigos são assim, todos a minha volta são um pouco assim. Você acaba sendo produto do meio e é difícil fugir a isso. 

- Rousseau, Locke? Quem foi mesmo que disse que somos produtos do meio?

Eu nunca fui uma adepta desse pensamento, mas nunca pude negá-lo. Eu já havia sido um exemplo, ainda não aceitasse ser um mero produto direto do meio, eu acreditava que lutávamos contra ele, por uma não conformidade.

Cup of TeaWhere stories live. Discover now