{Terça} - Não ria

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Por algumas horas trabalhamos a fio. Fizemos projeções e propostas, elaboramos diversas ideias. Eu ainda achava tudo um pouco desnecessário, pois não importava o que eu propusesse, eu ainda tomaria posse de tudo, mas infelizmente o mercado de ações não é tão simples. Eu precisava impressionar para não destruir toda a empresa, ou ao menos provar que eu sabia o que estava fazendo.

No meio da tarde estávamos tão entediados que paramos. Devemos ter ficado alguns minutos olhado para o além pela sacada que dava para o jardim.

Não percebo, mas por um tempo fiquei encarando David. Vendo suas roupas que sempre eram arrumadas, mas não demais. Olhando o como ele sorria com satisfação toda vez que a brisa gelada soprava.

- Não te ensinaram que é feio encarar? - ele disse virando-se para mim fazendo com que eu ficasse vermelha.

- É um hábito. Eu me acostumei a fazer isso no café sem ninguém perceber.

- Em que você esta pensando?

- Como assim?

- Você estava me olhando como se estivesse refletindo.

Nós estávamos lado a lado, minha cadeira estava alguns centímetros atrás da dele, mas estávamos com nossos braços quase se tocando. Eu não queria dizer nada que pudesse transformar aquilo num momento estranho. Eu já o havia mostrado o conto que escrevi sobre ele, fiquei grata por temos sido interrompidos (e que ele não mencionou depois). Ainda que tenha que admitir que algo me atraía em David, eu não podia deixar nada acontecer, ou eu poderia?

Não sei ao certo qual é o meu problema, mas cada um desses pensamentos se passava na minha mente exatamente como numa grande reflexão e eu me mantenho em silêncio pensando enquanto ele esperava por uma resposta. Se eu havia tentando evitar um momento estranho, eu só conseguira piorar tudo.

- Flo...rença? - as palavras saíram com tanta dívida que eu duvidei de mim mesma.

Eu costumava ser bem mais articulada, mas as palavras me escaparam e quando a primeira sílaba começou a escapar ou seriam flores, ou Florença. Eu tive que escolher a que me parecia menos idiota, afinal eu já aparentava estupida o suficiente por ficar o encarando sem dizer nada.

- O que sobre Florença?

- Eu queira ir para lá depois, para comemorar - nesse ponto eu já não sabia exatamente onde eu queria chegar, ou porque eu havia me colocado naquela posição - Meu aniversário.

Nesse momento quis me estapear. Eu não comemorava aniversários. Onde eu estava indo com essa conversa?

- Porque Florença?

- Eu gosto da cidade - respondi com nostalgia em minha voz.

Pela primeira vez, eu havia dito algo que fazia sentido. Desde a primeira vez que eu fui a Florença, havia me apaixonado pela cidade. Havia algo nela de especial. Não por algum ponto especifico, tudo que eu gostava de fazer era vagar pelas ruas olhando cada detalhe.

David recostou na cadeira virando seu rosto para mim. Eu odiei a forma como ele me olhou, não porque era desrespeitosa, mas porque ele parecia ter me desvendado. Como se não houvesse nada que ele já não soubesse sobre mim.

Eu era quem deveria desvendá-lo, mas David nunca foi um mistério, por algum motivo isso me incomodava. Como se não houvesse drama suficiente, ou segredos para serem descobertos.

Pude vê-lo olhar para meus lábios, dessa vez com más intenções. Eu queira beijá-lo, mais do que era capaz de admitir. Inclinei-me para frente enquanto ele se aproximava de mim.

Poderia ter sido um momento mágico digno a um belo filme de romance, mas como eu já disse, não havia drama suficiente. Ainda precisávamos de algo explosivo que aumentasse a intensidade de tudo. Eu rio. Estava pensando como uma escritora que nunca estava satisfeita com o que tinha, que sempre reescrevia tudo esperando por uma versão melhor.

Eu havia destruído o momento. David se retraiu me olhando confuso.

- O que foi? - ele perguntou.

- Nós devíamos voltar ao trabalho - me levanto sentando do outro lado da mesa e meus dedos começam a digitar palavras aleatórias.

Mais uma vez, qual é o meu problema?

Cup of TeaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora