Capítulo II - Vidas Ceifadas

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Na sala de poltronas, a avó de Fabe tirava um cochilo sossegado num enorme sofá e aconchegante. O gato ronronava descansando nos pés da anciã.
Passadas horas, um jovem que trabalhava no museu, avisou aos pais que a visita ao museu acabara. No entanto, o sono da idosa era muito pesado, foram precisos 3 funcionários chamarem o nome dela em voz alta para que a mesma apenas se mexesse:
- Senhora SanTiago, por favor, o museu já vai fechar - chamaram pela última vez antes de comunicar ao neto, que veio acompanhado do guia do museu. Fabe pego um vaso com flores e jogou toda a água nos pés da avó:
- CANCELAR EXPEDIÇÃO, MEUS PÉS CONGELAM! - gritou a anciã, jogando o gato longe com um chute. - Mas será possível?! Não se pode nem mais tirar um cochilo sem tomar um banho hoje em dia. - reclamou enquanto agitava os pés para tirar o excesso de água e calçava as pantufas (sim, a velhinha anda de pantufas pela cidade).
- Não seja reclamona, Patricia, a gente compra uma toalinha na loja de souvenires - caçoou o neto, enquanto procurava o paradeiro do gato. O bichano estava escondido embaixo de uma cômoda. Depois de muito chamar o animal foi para seus braços.
- Podemos ir? - perguntou ele á avó.
- Desde que não me molhe de novo, podemos - resmungou a velha. - espere o que lhe aguarda, pirralho, eu ainda estou vencendo!
- Não por muito tempo, velhinha. - riu o garoto. Ele se virou para os funcionários e deu de ombros, rindo. - Até a próxima, pessoal. Senhor Jain, digo, Primo...
- Até, rapaz. - respondeu o guia.
Mal sabiam eles que se veriam mais breve do que pensavam.

O dia sucedeu com mais brincadeiras entre Fabe e Patricia, incluindo sustos saindo de armários e troca de sais de banho por sabão em pó.
- Você se superou com essa, hein, moleque - riu a velhinha, enquanto o neto a ajudava a limpar o chão ensaboado do banheiro. - muito bem bolada.
O rapaz apenas sorriu. O telefone antigo no andar debaixo tocava tão alto que parecia estar tocando no quarto ao lado.
- Eu atendo - disse Fabian. A sra. SanTiago continuou limpando a bagunça quando o neto voltou com a má notícia.
- Era a secretária da escola. HolyField morreu. - disse ele, ainda estupefato com a notícia.
- Graças á deusa! - gritou a outra, fazendo o triângulo invertido com as mãos.
- Para de ser ruim, Patricia - respondeu o rapaz. - o senhor Holyfield era um guerreiro, apesar de já estar senil.
- Que bom, agora ele está com Ieowana, está melhor que nós. Como Ela resolveu levar o defunto andarilho? - tagarelou a idosa, passando o rodo no chão.
- 'Tava com a mulher quando o esfaquearam no peito - disse o garoto, pesaroso.
- A diretora Bellaga? Que desastre, minha deusa! - espantou-se a sra. SanTiago - aquela mulher era uma lenda. Governou àquela escola como ninguém fazia á 200 anos.
Fabe sabia que Bellaga também era uma amiga da avó. Sabia também que a velhinha não choraria na sua frente pela perda.
- A cremação vai ser às onze, amanhã mesmo. - comentou ele - Bom, acabamos, Vou para o meu quarto. Sua Bênção, vó...
- Que a deusa te abençoe, querido - A tristeza evidente na voz de Patricia.
Em seu quarto, Fabian tentou digerir a informação. Seu professor de história, o velho combatente senhor Holyfield, estava morto com uma adaga no peito, segundo a secretária. Havia também a diretora Begalla, também ex-purificadora como o marido; estava no cargo de diretora á anos e sempre o exerceu com mãos de ferro e justiça.
Quem faria tal atrocidade? A igreja já tinha ciência do acontecido? Será que exilaria os culpados?
Em meio á tantas dúvidas, o garoto caiu num sono profundo e sem sonhos.

Em um apartamento no Centro de Phiona, Primo terminava de ler seus atlas quando o telefone moderno tocou uma suave melodia. Sem tirar os olhos de seus livros, o guia atendeu:
- Sim?
- Boa noite, gostaria de falar com Primo Jain.
- É o próprio.
- Tenha uma boa noite, senhor Jain, eu sou Regina Valle, secretária do Instituto Jolie. Peço perdão pelo incômodo. É com pesar que venho por meio desta ligação comunicá-lo do falecimento do senhor Gerald Holyfield e sua esposa, Sabrina Bellaga.
O guia ficou em silêncio processando a informação.
- Alô? Alô, senhor Jain? - chamou a mulher na linha.
- Oh, sim...é...que lástima. Como aconteceu? - tentou dizer o homem, mas o nó na garganta estava apertando.
- Sim, foram encontrados mortos no parque Yve, ambos com perfurações no peito, provavelmente punhaladas. As autoridades ainda não tem suspeitos. Contudo, creio que o caso em breve se resolverá. Bem, a cremação acontecerá amanhã, ás onze horas. - continuou Gina.
- Tudo bem, eu comparecerei. - confirmou Primo.
- Senhor Jain, além dessa triste informação, também devo lhe informar uma mensagem do Palácio de Ferro. O senhor está convidado á substituir o professor Holyfield em suas atividades em nossa instituição. Caso aceite, o contrato pode ser analisado amanhã no período da tarde.
Outro momento de estupefação para Primo.
- Sim, estarei aí após o velório. - disse ele, lembrando que a mulher ainda estava na linha.
- Sinto me obrigada a agradecer a atenção, lhe desejo novamente uma boa noite.
Assim que Primo pôs os telefone no gancho, o nó na garganta apertou ainda mais.
Se imaginar a forte e imperativa Sabrina Bellaga morta era difícil, mais difícil ainda era imaginar que nunca mais ouviria a voz grosseira e arrastada de Holyfield. Afinal, eram pessoas muito presentes em sua vida.
Preparou um chá de Chamomilla para tentar tirar a sensação ruim da garganta. Enquanto fervia água, pensava se devia aceitar o convite feito pela igreja. O corpo do defunto nem esfriara e já iria tomar seu lugar? Era estranho ter esse pensamento. Outra questão era quem seria o novo diretor.
Mas isso era algo que só descobriria no dia seguinte após ver, pela última vez a carranca de Gerald Holyfield.

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