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Eu precisei levar um tiro para cair de volta na realidade e isso nunca tinha acontecido antes.

Depois de sair da ambulância, já com a ferida da bala que passou de raspão em meu ombro, fui de volta para casa. Ainda era cedo, se comparado ao horário normal do término do meu turno, e eu ainda estava frustrado por tudo que aconteceu.

Sorte, destino... Denominaram muitas coisas para aquele projétil passasse quase que direto por mim, embora eu chamasse de "erro", contrariando a todos os apelidos positivos. Tudo estava errado, eu estava perdido e não entendia porque eu parecia estar tão deslocado em tudo e em todos os lugares possíveis.

Eu tentava nadar para a superfície, mas a superfície parecia apenas se afastar de mim.

Entrei em casa e tudo estava silencioso, ridiculamente escuro e quase vazio; tudo como sempre era, mas eu que tinha mudado minha percepção. Havia uma certeza em mim de que Louis estava dormindo no quarto, pela frecha de luz do abajur que chegava até o pequeno corredor, de frente pra o banheiro. Ele sempre esquecia de desligá-lo antes de cair completamente no sono.

Deveria ser quase cinco da manhã quando me redirecionei direto para o banheiro e tranquei a porta, sem pensar duas vezes. Sabia que Louis não voltaria a dormir se me visse naquele estado e eu não queria ser a pessoa que estragaria mais uma das suas noites de sono.

Encarando o espelho, comecei a tirar o uniforme grosso que me cobria, despindo-me na parte de cima para conseguir ver o estrago que a bala tinha feito no meu ombro esquerdo. Me segurei e tampei minha própria boca com uma mão, enquanto a outra tirava parte da gaze que fazia e protegia o curativo, primeiro pela sua extremidade, depois por completo. Eu já estava suando frio por várias partes do meu corpo.

Ainda conseguia ver o resto de sangue que escorreu nos espaços de pele e os pontos com linhas pretas que fechavam o ferimento, eles disseram que assim cicatrizaria mais rápido. Minha pele tinha outras cores ao redor do ferimento, algumas partes roxas, vermelhas, e tudo isso precisaria de tempo para sair.

Toquei a ferida, todas as feridas possíveis que tinham em mim e quase fiz de todas elas uma filosofia. A dor que eu estava sentindo com minha pele sendo puxada por linhas, não se compara a dor que eu senti quando percebi que eu estava sozinho no mundo. Ambas dores pareciam passageiras naquele momento.

Um reflexo de perdido era tudo que eu encontrava no espelho. A madrugada é um momento silencioso e o silêncio te faz obrigado a ouvir seus próprios pensamentos, deve ser por isso que as pessoas preferem não ficarem acordadas até tarde, talvez elas tenham medo de saber quem elas realmente são no escuro. O que é o medo do escuro perto do medo de se encontrar com você mesmo? 

Depois de minutos apoiado na beirada da pia e olhando para quem deveria ser eu através do espelho, me sentei no chão do banheiro e peguei meu celular no meu bolso de trás. Mike, amiga de alguns anos do Liam, delegada e com sabedoria o bastante para fazer o que eu precisava saber. Meus dedos correram sobre a tela do celular e digitaram rapidamente seu número, em seguida, uma mensagem com todos os dados que ela precisava para rastrear o IP de quem seria a Gemma, foi uma das primeiras coisas que pensei que poderiam verificar o fato de que eu não estava sendo enganado por alguém que poderia tentar me manipular. Mal lembrei do fato do horário incomum para um pedido daqueles, apenas fiz, sem esperar uma resposta imediata, e meu corpo acabou adormecendo gradualmente enquanto eu lia novamente todas as mensagens trocadas com Gemma.

-Harry? -Ouvir batidas na porta e a maçaneta virando, na falha tentativa de entrar no banheiro. -Você está aí?

Gemi baixo positivamente, sem raciocinar muito, e comecei a sentir as dores nas minhas costas e no meu pescoço conforme meus olhos estavam se abrindo, vendo a luz atravessar a janela do banheiro e meu corpo despertando. Logo, percebi que já estava de manhã e que eu tinha dormido todas aquelas horas em um lugar que não fazia o mínimo sentido. A voz recém-acordada de Louis perguntava se eu tinha estado ali todo o tempo, já que ele não tinha notado nenhum rastro que eu tivesse estado no quarto, muito menos na cama.

Uncertain Call - (L.S)Where stories live. Discover now