1. O Garoto Atleta

146 23 15
                                    

"Little darling, I feel that ice is slowly melting
Little darling, it seems like years since it's been clear"

Here Comes the Sun - The Beatles

15 de Junho de 1993.

Duck, Carolina do Norte.

Bree.

Quando você tem nove anos e sua mãe diz que você vai passar o verão na casa da sua avó na praia, você não reclama. Não muito, pelo menos.

_ Ela não é minha avó.

Martha não era minha avó. Ela era mãe do Clint, que, por sua vez, era marido da minha mãe desde o ano anterior. Ela era bem legal, mas não era minha avó. Minha única avó de verdade, Louise, morava na França, supunha eu. Meu pai voltou para lá depois de largar a gente quatro anos antes, mas ele não era o tipo que dava muitas notícias. Então, eu trabalhava apenas com deduções infantis. No caso, a teoria era que minha avó Louise habitava uma linda casinha de pedra no meio de um campo de lavandas, exatamente como eu tinha visto em um programa de TV.

_ Ela é o mais próximo que você tem de uma avó, Sabrina. Não seja assim.

Era verdade. A mãe da minha mãe tinha morrido antes de eu nascer.

_ Mas o mais próximo de alguma coisa não significa que essa coisa é de fato a coisa que você está dizendo que ela é.

Minha mãe rolou os olhos. Ela rolava os olhos quando desistia de discutir, era um pouco engraçado. Mas o fato era que, sendo minha avó ou não, eu estava indo passar o verão na casa da Martha. E a casa da Martha era na praia. E a verdade era que eu tinha gostado bastante da ideia.

Além de roupas de calor e maiô, pedi para minha mãe colocar na malinha minhas duas escolhas literárias para o verão: "Mulherzinhas" e "Poliana". Dois clássicos infanto-juvenis femininos que eu acreditava que já deveria ter lido àquela altura. Tinha nove anos e sentia que o mundo produzia muito mais livros bons do que eu seria capaz de consumir em uma vida inteira.

O objetivo era ler sentada na areia. Outra cena que eu tinha tirado da televisão. Me parecia muitíssimo elegante ficar esparramada em uma toalha, na areia fofa, equilibrando um livro em uma mão e um copo de limonada na outra, dividindo a atenção entre o mar e as letras.

Quando cheguei a Duck, porém, ir para a praia se tornou uma ideia bem distante. Choveu durante a semana toda, e eu fiquei mesmo dentro da casa de Martha. Era um sobrado bonito, cinza-clarinho e bem aconchegante, que ela, viúva, habitava sozinha. Não podia reclamar. Outro ponto positivo era que ela não me pressionava a nada. Meus únicos deveres eram fazer as refeições nas horas corretas e sempre escovar os dentes. Não era difícil. A comida era saborosa, e eu gostava da escovação porque sentia minha boca refrescante de hortelã. Martha também inventava atividades legais, como pintar quadros com tinta de verdade sem se preocupar em sujar o chão e jogar cartas.

Quando o sol finalmente saiu, no sábado, eu nem estava sentindo tanta falta dele. Porém, obviamente, assim que acordei e verifiquei os raios luminosos amarelos e quentinhos, vesti meu maiô. Não queria nem comer as panquecas. Estava animadíssima para pisar na areia e sentir a brisa do mar. E, claro, ler! Minha mãe e Clint chegariam mais tarde para passar o fim de semana e eu queria aproveitar.

A casa de Martha ficava a dez passos da praia. Para pisar na areia, era só descer a escada que saía de um pequeno píer. Toda a faixa era assim: casas pertinho da praia, uma vegetação rasteira e pequenos píeres espalhados. Era bonito e agradável.

Martha me deixou ir na frente e disse que me levaria limonada logo depois. Minha primeira impressão da leitura na praia foi de desconforto. A areia não era fofa como parecia, e o sol refletia nas páginas do livro, dificultando a visão. Além disso, um menino estava jogando bola e narrando alguma partida imaginária como se fosse um locutor real. Não demorou muito, eu estava prestando mais atenção a ele tentando dominar a bola e marcar gol do que ao meu livro. Fracasso. Até deixei o volume ao meu lado durante alguns minutos.

Só quando consegui me desligar do som da brincadeira do meu companheiro da manhã, peguei novamente o livro. Nem um parágrafo à frente, no entanto, uma sombra se colocou na minha frente. Com meus olhos acostumados à claridade, o escuro adicionou uma nova camada de dificuldade à minha leitura. 

Olhei para cima. Era o garoto atleta. Ele segurava a bola debaixo do braço e me olhava fixamente, sem dizer uma única palavra. O cabelo dele era um loiro muito claro, e ele tinha as bochechas bem vermelhas e a respiração ofegante de quem não parava de correr fazia tempo. Não entendi ao certo o que ele estava fazendo, mas não consegui perguntar. E também não pude ignorar. Foi tão rápido, tão banal, e ainda assim tão carregado de tensão. Uma inquietude que, aos nove anos, você não sabe identificar ou mesmo descrever, só pode afirmar que está lá.

Foi a voz de Martha que nos tirou do torpor.

_ Ah! Taylor! Você está aqui também? Quer limonada? Vou pegar outro copo!

Olhei pra o píer, de onde vinha a voz, e vi Martha sorridente com uma jarra em uma mão e dois copos plásticos na outra. Quando me virei de novo, o menino já não me fazia sombra. Chutando a bola para longe, ele só agradeceu e disse que não queria nada.

Castelos de AreiaWhere stories live. Discover now