2. A Menina do Livro

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"You say that we've got nothing in common
No common ground to start from"

Breakfast at Tiffany's - Deep Blue Something

21 de Junho de 1993.

Duck, Carolina do Norte.

Taylor.

Era o meu último dia na praia, e eu tinha uma missão: fazer a menina do livro falar. Na verdade, eu já sabia o nome dela, minha mãe me falou, mas ela mesma não tinha dito. Sendo assim, achava perfeitamente razoável chamá-la de "menina do livro".

Todos os anos, desde que eu tinha uns sete anos, meus pais levavam eu e meus irmãos para uma semana na praia. Sempre íamos para a mesma casa, que pertencia ao chefe do meu pai. Parece que ele nunca usava a propriedade e a alugava para temporada, mas, para nós, ele emprestava mesmo. Minha mãe achava muito gentil da parte dele.

Eu gostava muito dali. A casa era quase na areia, e eu podia passar o dia todo brincando na praia, no mar ou na rua. Minha mãe dizia que, como Duck era um lugar tranquilo, podia dar mais liberdade a mim e aos meus irmãos. Eu adorava essa coisa de liberdade, era bem mais legal do que na nossa cidade. 

Apesar do passe livre para brincar, porém, àquela altura, eu não tinha uma turma de amigos. Havia algumas crianças que eu conhecia, mas acabava ficando mais com meus irmãos.

No primeiro dia, como sempre, não consegui conter a ansiedade e corri para a praia antes de todo mundo. Foi quando eu vi essa menina. Nunca a tinha visto e, antes de prestar mais atenção, até achei que ela podia ser uma companhia em potencial para aquela semana. Mas ela não fazia o menor sentido. Estava sol e ela sentada, lendo. Aquilo me aborreceu tanto que eu cheguei ao cúmulo de parar na frente dela pra entender melhor. Eu a encarei e ela sustentou meu olhar de um jeito muito desafiador. No fim, achei que foi um erro, porque ninguém falou nada, e ela provavelmente achou que eu era uma criança meio perturbada.

Nos dias que se seguiram, continuei indo para a areia antes dos meus irmãos. Minha desculpa era que eles demoravam muito para ficar prontos. Mas, secretamente, eu queria observar sozinho se a garota continuava com o livro. E sim. Ela estava sempre lá. E sempre lendo. Comecei a fazer alguns testes para ver se ela perdia a concentração. Era uma brincadeira divertida, mas meio monótona, porque eu ganhava só às vezes. Ela nunca desviava os olhos do do que lia, tirando quando eu narrava o jogo muito alto ou na vez que eu, de propósito, joguei areia nela ao chutar a bola. Ela me fuzilou com os olhos, umas bolas de gude esverdeadas que ficavam debaixo do toldo da franja castanha dela.

Mas naquele dia específico eu tinha uma ideia melhor. Eu ia mostrar uma coisa pra ela. A menina do livro era claramente inteligente. Até aquele cabelo curto, parando no queixo, era de garota esperta. Então, eu procurei na praia toda, entre os dois píeres (minha liberdade tinha limites também), uma concha grande. Eu queria achar a maior concha de Duck, mas encontrei algo ainda melhor. Eu achei uma estrela do mar, e estava bem perto de onde ela estava sentada com o livro e a limonada que a avó dela, a sra Crawford, trazia todos os dias.

_ Ei!

Ela não se moveu. Tentei de novo.

_ Ei! Você!

Nada. Bom, ela estava pedindo.

_ Menina do livro!

Ponto! Ela olhou.

_ Quer ver uma coisa?

_ Eu? - ela franziu os olhos e fez uma viseira com a própria mão.

_ Sim, vem cá.

Ela parecia muito chata. Tinha certeza que inventaria uma desculpa. Mas ela deixou o livro do lado, depois de marcar a página cuidadosamente, e veio até mim, parando bem na minha frente. Nós tínhamos a mesma altura.

_ Já viu uma estrela do mar? - perguntei.

_ Só nos livros.

Claro que sim. _ Olha essa! - abri a mão e mostrei o bichinho azul de cinco pontas.

Os olhos dela se iluminaram de curiosidade.

_ Ela machuca?

_ Não. Quer tocar?

Ela queria. E a gente ficou ali analisando a estrela do mar. Ela, obviamente, sabia alguns fatos sobre o animal. Por exemplo, "sabia que elas são equinodermes?". Não sabia e também não consegui reproduzir o nome de novo. Depois de alguns minutos, concordamos que era melhor devolver o bicho pra água.

Ela sorriu e estava voltando pra sua toalha, mas eu não quis deixar aquilo acontecer. A presença dela era inquietante, mas, por alguma razão que eu não sabia explicar, a sensação era boa.

_ Não quer fazer um castelo de areia?

Ela se virou e me examinou com uma cara de dúvida. Ela parecia não acreditar em nada do que eu falava. E eu tinha falado muito pouca coisa. Mais uma vez tive certeza de que ela inventaria uma desculpa e, mais uma vez, ela me surpreendeu e aceitou minha oferta.

Ela não sabia nada sobre construir castelos de areia. Peguei minhas ferramentas plásticas coloridas e comecei a mostrar como se fazia, com a base grande e depois as torres menores e os desenhos que podíamos fazer com os dedos.

_ Como você se chama? - ela me perguntou depois de um tempo, sentada nos calcanhares.

_ Taylor. E você?

_ Sabrina.

O jeito como ela falou era muito diferente. Com um R que poderia rasgar uma placa de aço.

_ Sabrina? - repeti de um jeito mais normal.

Ela rolou os olhos. _ Pode me chamar de Bree.

Bree me contou que os pais eram franceses e por isso o nome com som estranho. A explicação também ajudava a entender por que ela parecia tão desagradável. E, para piorar, ela era cuidadosa e mais habilidosa do que eu na arte de fazer castelos de areia. Um saco.

_ O que você está lendo? - aquele livro do qual ela não desgrudava era muito intrigante. Precisei perguntar.

_ "Poliana".

_ Sobre o que é?

_ Uma menina que só vê o lado bom das coisas.

_ É legal?

- Um pouco enfadonho.

Quem usa essas palavras na idade que a gente tinha? Que pessoa estranha. Busquei o sinônimo mais comum que achei para mostrar pra ela como a gente devia se comunicar.

_ Chato?

_ É.

Torci para que meus irmãos chegassem logo e, de fato, eles não demoraram. Com a desculpa de ir brincar com eles, falei que precisávamos desmontar o castelo. Ela se levantou e tirou areia dos joelhos.

_ Como fazemos?

Eu achava ela insuportável. E meio bonita. Era bem confuso.

_ Pisamos em tudo, claro.

_ A gente vai destruir assim tudo que demoramos tanto tempo pra fazer? - ela parecia indignada.

_ É assim que funcionam os castelos de areia.

Como ela não se movia, comecei a pisotear tudo. Bree arregalou os olhos, mas resolveu ajudar. Na primeira pisada, se desequilibrou e se escorou em mim. Eu queria tanto me livrar dela, mas na primeira oportunidade agarrei sua mão. Novamente: era bem confuso, ainda mais para um menino de dez anos. 

Quando não havia sobrado nada, ela respirou fundo, ainda ofegante das risadas e soltou minha mão.Foi muito satisfatório pular em cima da nossa montanha de areia particular.

_ Isso foi divertido.

_ Eu te disse!

Ela só sorriu. _ Tchau, Taylor. Até.

E voltou para o livro.

Castelos de AreiaWhere stories live. Discover now