10. Francesinha

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"Kiss the rain
Whenever I'm gone too long"

Billie Myers - Kiss the Rain

5 a 7 de agosto de 1999.
Nice, França/Duck, Carolina do Norte.
Bree.

Quanto a gente muda de um ano para o outro?

Deitei a cabeça para o lado esquerdo e observei os fios do tecido da toalha em que estava deitada. A areia grossa sob mim, salpicada de seixos arredondados cor de grafite, estava morna e confortável. Eu me sentia bem, plena. Estava feliz ali.

Àquela altura, no ano anterior, eu tinha o coração prestes a explodir de paixão não-correspondida pelo Taylor. Umedeci os lábios instintivamente, lembrando do beijo que demos naquele jogo de Verdade ou Desafio estúpido. Reprimi uma careta que ia brotando no meu rosto. Não sei se era um sorriso ou uma risada nervosa.

Depois daquele beijo, nada, absolutamente nada, tinha mudado. Eu não conseguia entender, porque ele tinha me beijado. Taylor me beijou tanto quanto eu. Podia me lembrar de qual tinha sido a sensação no momento exato em que língua dele tocou a minha. Fechei os olhos com alguma força, tratando de deter aquela memória.

Demorou alguns meses até que eu parasse de reproduzir o fatídico beijo na minha cabeça como se fosse uma fita de VHS, voltando, dando play e parando na melhor parte para analisar melhor. Fazia essa tortura comigo mesma.

Mas, então, logo soube que finalmente poderia visitar meu pai na França, e os preparativos e a expectativa pela viagem de verão, assim como os estudos que ficavam cada vez mais intensos, tomaram boa parte do meu ano. Eu empurrei Taylor para debaixo do tapete da minha adolescência.

Fazia dois meses que estava em Nice, e aquela garota de 15 anos tomando sol já não era a mesma que chorou no banho depois de ver Taylor beijando Cassie McFarren três dias depois de beijá-la. Três dias.

Virei os olhos.

Precisava parar de pensar naquilo, mas a verdade era que aquele era meu último dia em Nice, e eu estava começando a achar que estava ficando ligeiramente apreensiva. Dali menos de 48 horas, eu estaria em outra praia. A perspectiva de passar o finzinho do verão em Duck não me assustava, mas também não me agradava muito. Enfim, as coisas eram o que eram.

Suspirei um pouco alto demais, na mesma hora que Michel falou comigo.

_ Sabrina, quer tomar sorvete?

Eu ia sentir falta dele. Olhei para o lado e sorri. _Quero.

Ele se levantou prontamente para buscar nossos picolés.

Michel tinha 18 anos, e nosso romance, que nasceu devagarinho sem eu me dar muita conta, tinha ficado escondido até a última semana, quando meu pai nos pegou aos beijos em uma viela perto de casa. Ele não tinha gostado nada, mas Christel, minha incrível madrasta de 25 anos, me salvou. Não há ironia quando digo que Christel era sensacional. A namorada do meu pai era jovem, bonita, simpática, inteligente e colocava freios no meu progenitor, coisa que ele tinha de menos. No começo, estranhei, mas logo me acostumei aos dois e passei a ver Chris como uma amiga e um modelo.

Michel me entregou um dos sorvetes que segurava já sem as embalagens e sapecou um beijo nos meus lábios, deixando-se despencar sentado na toalha ao meu lado. Ele era lindo, alto e tinha a pele tão escura que eu achava que podia absorver todo o sol. Trabalhava na marina, cuidando de alguns barcos. O que era ótimo, pois podíamos passear vez ou outra. Com ele, eu aprendi que amor não precisava ser necessariamente aquela coisa desenfreada e desesperada que eu via nos filmes. Ele podia ser ensolarado, calmo e doce. Eu gostava de como a boca de Michel era enorme e envolvia a minha e adorava o fato de ele falar meu nome do jeito como eu gostava de ouvir. Eu não precisava ser Bree na França, ainda que sentisse um pouco de saudade dela.

Michel me olhava com uma cara pensativa. _ O que foi? - perguntei.

_ Estou aqui pensando quando a americana vai me esquecer.

Francesinha.

Seria apenas maravilhoso se meu cérebro parasse de me lembrar que eu teria de ver Taylor em pouquíssimo tempo.

_ Por que eu esqueceria?

_ Porque você é linda e...

_ E...?

_ Não sei quando volta. Se volta.

Ele tinha razão. Também não sabia. Mas não queria pensar nisso. Tinha aberto uma porta. As chances de eu voltar a visitar meu pai mais vezes tinham crescido muito. Claro que teríamos um ano inteiro entre nós, mas...

_ A gente não devia pensar nisso. Eu vou voltar.

Ele riu e bufou um pouco irônico. _ Vai.

_ Te consola se eu disser que quero voltar?

Michel sorriu e me beijou com gosto de chocolate. _ Sim.

Eu sabia que era outra pessoa, depois de ter criado novos laços com meu pai e uma certa independência por ter ficado longe das asas da minha mãe. Era outra pessoa por ter tido meu primeiro romance. E também por ter visto e aprendido coisas diferentes.

Minhas despedidas da França se passaram sem intercorrências. No dia seguinte, minha mãe me buscou no aeroporto meio chorosa e surpresa com o fato de eu não ser mais uma lombriga branca. Minha pele tinha se dourado do sol europeu de um jeito que nunca tinha acontecido em casa.

Antes que eu pudesse me dar conta, estacionávamos o carro na garagem da casa de Martha em Duck. Lá estava eu de novo. O que mais me surpreendeu, na verdade, foi o fato de eu perceber pela primeira vez o quanto gostava daquele lugar e o tanto que tinha sentido falta da minha avó postiça. Nunca a chamaria de avó propriamente, mas Martha era um doce.

Quanto a gente muda de um ano para o outro?

Toquei na casa vizinha, em busca do meu amigo. Ike, com quem meu relacionamento apenas se intensificava, ainda que boa parte do tempo à distância, me abraçou. Eu tinha vontade de apertá-lo e não soltar nunca mais. Ele tinha cheiro de proteção e de algo que eu sabia que estaria ali para sempre.

No entanto, eu soube. Era meu melhor amigo me envolvendo com braços que eu conhecia bem, mas eu soube. Eu tive certeza ali, pela familiaridade do contato dele, que o que eu mais queria que mudasse continuava igual. Não fazia o menor sentido tentar explicar o que eu nutria pelo Taylor (ou não) pelo abraço no seu irmão, mas era precisamente o que estava acontecendo.

A casa deles tinha som de crianças brincando, mas Taylor não estava ali. Assisti à sensação se formar dentro de mim de mãos atadas: ao mesmo tempo que ficava feliz por ele não estar, queria vê-lo. Não. Aquilo só tinha uma explicação: eu precisava provar pra mim mesma que não gostava mais daquela peste.

_ Ei, Bribs, Taylor está na lanchonete com o pessoal. Vamos lá?

_ Claro. - falei calma, mas achei que fui calma demais.

Ike não sabia do meu crush pelo Taylor. Depois do beijo do ano anterior, ele encheu o saco do irmão durante um tempo, mas me poupou, e eu não falei nada com ele. Ele não podia saber.

Andamos por algumas quadras até que já podia avistar o Ducker's e sua varanda.

Não dava para não reconhecer os cabelos loiros. E, se meus olhos não tivessem dado conta de saber que aquela cara fechada era do Taylor, meu estômago que tinha ficado do tamanho de uma bola de gude sabia muito bem, obrigada. Ele estava curvado para frente, os cotovelos na cerca de madeira escura, os olhos apertados vendo a gente chegar. Ao seu lado, Nate dava uma risada.

Conforme caminhávamos, eu percebia em pânico que minha paixonite agudíssima continuava firme e forte, mais que viva que nunca. Ele era lindo. Estava mais lindo. Mais alto. Que ódio.

Estávamos perigosamente perto. Então, esbocei um sorriso, mas não tive tempo nem de acenar um olá. Sem o menor aviso, Taylor se virou para Nate e encheu a cara do pobre menino com um soco bem no nariz.

_ Ah, não. - ouvi a voz de Isaac, mais resignado do que preocupado.

Ike correu para os dois, assim que, três segundos depois, Nate desferiu um golpe em Taylor que o fez ele rolar a varanda por cima da cerca e se estatelar na calçada. Levei minha mão à boca. Não era possível.

Não era possível que não só eu continuava apaixonada pelo Taylor, como ele tinha ficado ainda pior.

Castelos de AreiaWhere stories live. Discover now