Prólogo

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"Abriu os olhos, mas não enxergou nada.

Tinha certeza que estava com os olhos abertos, mas continuou sem enxergar nada. Espremeu as pálpebras o máximo que pôde e sentiu um formigamento lhe correr pela nuca quando finalmente conseguiu ver.
Seu campo de visão foi tomado por diversos pontos de luz em uma sequência quase saltitante de cores: vermelho e azul, vermelho e azul, vermelho e azul. Quanto mais tentava focar em algo, mais embaçada ficava sua visão. Todos os movimentos ao seu redor estavam em câmera lenta, mas não conseguia se livrar da sensação de que tudo se movia rápido demais.
Fechou e abriu os olhos novamente, dessa vez com mais força. Agora as luzes dançavam demoradas. As pessoas se movimentavam com calma. Conseguiu até ouvir alguns ruídos que vinham do amontoado de corpos em volta de uma só atração. Sem esforço, sentiu que o ar ficou menos espesso e seus pés deixaram o chão. Percorreu, sem entender como, a distância que lhe separava do fenômeno que a todos parecia chocar. Quando chegou perto, os ruídos se tornaram gritos e seus olhos já não oscilavam entre vermelho e azul. Agora era só vermelho. Vivo. Por todo lado.
Sentiu o primeiro chute atravessar sua costela. O próximo parecia ter rasgado sua bexiga. Gritou de dor, mas ninguém moveu a cabeça em sua direção. Olhou pela primeira vez para si mesma. O vermelho sangue parecia cobrir todo seu corpo e..."

– Alguém pode pausar isso, por favor? – Penelope resmungou, impaciente. Todos os olhos se voltaram para ela.

– Penelope... – Sussurrou a menina dos cabelos longos e ruivos, após suspirar e apertar um botão prateado que ficava ao lado de sua poltrona branca. – Algum problema? Você está se sentindo bem?
– Eu estou ótima. O problema é que vocês ficam dramatizando demais uma coisa que foi tão simples quanto Cristiano Ronaldo chutando a bola pra dentro do gol.

Todos pareciam atônitos. Ela revirou os olhos e deu as costas para o telão que cobria toda a parede onde estava.
– Seguinte, galera. Vamos recomeçar isso aqui. Eu sei que vocês devem estar assustados se perguntando que diabos... – sentiu o chão sob seus pés se estremecer um pouquinho e logo corrigiu – que coisa estranha está acontecendo aqui. Sei porque já passei por isso há quase um ano atrás e já expliquei para Jill – a menina ruiva, que agora a olhava com olhar de total reprovação – que esses vídeos de apresentação de nossas mortes são bem desnecessários. Bastava uma apresentação de Power Point, vocês não acham?

Ninguém respondeu.

– Bom, vou agilizar. Meu nome é Penelope. Tinha vinte e sete anos quando morri em um acidente de carro. Não teve nada disso aí de cores e o escambau. Quando eu vi, ploft, tava lá, mortinha! – Deu uma risadinha e depois pigarreou. – Eu estava grávida de uma linda menina, que nasceu como um milagre e daqui uns dias completa um ano. Tinha também uma melhor amiga incrível e um namorado lindo e bem... um pouco idiota. Acho que é isso. – Deu de ombros e depois ponderou. – Ah, por último, mas não menos importante... – ela fez um gesto desengonçado como se estivesse tocando bateria – Eles se odeiam. Mas terão que ficar juntos. E euzinha serei responsável por isso. – Terminou balbuciando um 'badumtss' e em seguida sorriu. – Mas e vocês, como morreram? 

Pedaços do CéuWhere stories live. Discover now