Capítulo 29

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- E agora?! O que acontece comigo?! 

Navi não tinha mais garganta para gritar, mas ainda se via berrando a pleno pulmões. Apoiava as mãos sobre a grama à sua frente enquanto segurava o corpo para não cair no chão, com dor por toda parte. Sua cabeça doía, sua garganta doía, seu peito doía. Ele não fazia ideia o que aconteceria consigo agora que as memórias acabaram. 

Ele desapareceria assim como a dimensão em que nasceu desapareceu? 

- Esse é o meu purgatório? – murmurou dessa vez, a voz quebrando entre o choro ofegante. Navi apoiou a testa contra as costas das mãos fechadas em punho, sentindo a grama ainda fria por debaixo do rosto, o acariciando como se pudesse consolá-lo. 

O consolo era uma mentira. Ao redor dele o mundo ainda pegava fogo e se destruía. 

O que acontece com um demônio quando ele morre? 

Navi arregalou os olhos ao ser atingido pelo pensamento. Ele sabia que demônios viviam por mais tempo do que humanos, como criaturas mágicas tendem a fazer, e sabia também que demônios eram mais resistentes que a média graças ao miasma, mas o que acontecia com demônios quando eles morriam? Navi não pensava sobre isso há anos. 

Nós... Desaparecemos. 

Se um demônio morria fora da Dimensão Zero, ele desapareceria. Não teria miasma para ajudá-lo a renascer, assim que é a sua base formadora, e por isso eles deixavam de existir. Perdiam um direito de viver. Naevia foi quem contou isso para ele. Navi ergueu o rosto lentamente, o fogo demoníaco brilhando na noite e iluminando seu rosto. 

- Eu não estou desaparecendo. – Navi olhou para as próprias mãos ao aproximá-las do rosto, sentado sobre as pernas agora. – Isso não parece com... Desaparecer, isso só parece com sofrer. Eu só estou sofrendo. 

Navi olhou desolado por longos minutos para a mansão em que cresceu, sendo destruída com o passar do tempo.

- Eu nunca realmente sofri por vocês. – Navi murmurou, soluçando em meio ao choro em seguida. – Eu nunca realmente processei que eu perdi a minha casa e a minha família. Sempre quis evitar pensar demais em tudo que fosse muito ruim e que me fizesse ficar pior do que já estava, mas como eu posso lidar com as coisas de verdade desse jeito? – Navi levou as mãos até o rosto úmido para sentir um pouco de falsa segurança, mesmo que viesse dele mesmo. – Eu nunca resolvo nada, e acabo jogando toda a responsabilidade em cima dos outros. E ainda acho que posso sentir pena de mim mesmo quando me considero um parasita. 

Navi soluçou mais uma vez, os ombros chacoalhando com a força do seu choro agora; e então engoliu as lágrimas, por mais difícil que fosse, como se estivesse engolindo um saco de areia também. 

Eu realmente quero viver. E se eu quero viver eu não posso mais continuar assim. 

- Eu realmente preciso sair daqui. Por favor, me mostre uma maneira de sair! Por favor! – Navi não fazia ideia para quem ou o quê falava agora, clamando na noite. 

Porém, dessa vez, ele recebeu resposta. 

Da mesma forma que sabia para onde tinha que ir, a ordem das memórias que precisava ver, da mesma forma que ouviu o fogo crepitando ainda dentro do bosque, Navi sentiu o corpo se arrepiar e percebeu que teria que voltar para o bosque mais uma vez. Para o lugar em que tinha começado ao acordar naquele fragmento do tempo. 

Ele se levantou de forma desajeitada, sem a força necessária nas pernas, somado com a dor que ainda sentia. Porém, apesar de desnorteado, não ia parar até chegar onde precisava, não quando não entendia a situação ainda. Era igualmente muito curioso e muito teimoso, e pelo menos naquele momento podia valorizar esses dois defeitos que o levaram entre os caminhos do bosque. 

Blue/Red Black [BL] (✔)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora